quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

Livro do Mês - Norwegian Wood (Haruki Murakami)

Editora Alfaguara. Tradução Jefferson José Teixeira, 1987, 362 páginas.

Norwegian Wood foi o meu primeiro contato com a literatura fluída do japonês Haruki Murakami. E, admito, devorei as mais de 350 páginas em menos de uma semana, já ficando com aquele gostinho de quero mais. A moda de outros escritores que espalharam dilemas, incertezas, anseios e inseguranças do universo juvenil em suas páginas - casos de J. D. Salinger em O Apanhador no Campo de Centeio e F. Scott Fitzgerald em O Grande Gatsby, pra ficar em apenas dois exemplos -, aqui o autor parte de um evento trágico (no caso o suicídio de um adolescente de 17 anos) para revirar as memórias daqueles que ficaram: no caso, o protagonista Toru Watanabe, que era melhor amigo do jovem e a bela Naoko, a ex-namorada do falecido. Um reencontro entre os dois despertará uma paixão bem ao estilo das paixões adolescentes: difusa, muitas vezes complicada e, neste caso, ainda preenchida por uma espécie de dilema ético. Acolher a ex-namorada do melhor amigo pode ser uma fuga nesse momento. Mas desejá-la como como Watanabe nunca desejou nenhuma outra, será o certo?

Enquanto "enfrenta" o seu dilema, o protagonista vive a vida como um outro adolescente qualquer: estuda teatro, convive com amigos excêntricos da universidade - entre eles o exótico Nazista (sim, o apelido do rapaz é por conta de sua mania de organização), com quem divide o quarto - e trabalha meio período em uma loja de discos. Aliás, um parêntese: o livro é pincelado por um sem fim de referências culturais diversas, de obras e autores famosos, passando por filmes e canções e, sim, o livro leva esse título por causa da canção dos Beatles. E, sinceramente, é uma delícia acompanhar os descaminhos dos personagens, vendo seu estado de espírito sendo traduzido por uma música entoada no violão, ou por uma memória aleatória envolvendo, por exemplo, as letras de People Are Stranger do The Doors ou Up On the Roof dos Drifters. No fim é um elemento que dá cor a narrativa, tornando-a mais sedutora, mais próxima de quem lê.

Em suas andanças, Toru acaba se aproximando de uma encantadora, divertida e sexy colega de faculdade: a jovem Midori. Midori é o completo oposto de Naoko: tudo que a ex-namorada do amigo (e seu maior interesse romântico) tem de, obviamente, taciturna, fragilizada e de introvertida, a colega tem de vibrante, de primaveril e jovial. Sem papas na língua - as sequências em que falam com naturalidade (e curiosidade) sobre sexo, masturbação, fetiches, entre outros, estão entre as melhores -, Midori não tem vergonha alguma em verbalizar a sua paixão pelo protagonista. Aliás, ela dedica um carinho que pega Watanabe de surpresa, deixando-o indeciso entre esses dois "amores". Só que a paixão por Naoko parece falar mais alto, mesmo que ele sequer faça ideia se algum dia será correspondido. Enquanto convive no universo de incertezas, Toru anda pra lá e pra cá com o amigo intelectual Nagasawa, que se ocupa de utilizar sua inteligência para seduzir garotas com o objetivo de levá-las para a cama.

Só que Toru só pensa em Naoko. E depois de um breve envolvimento entre os dois ela some, deixando-lhe uma carta em que explica que está em uma espécie de casa de repouso junto às montanhas de Kyoto. Não é exatamente um hospital, mas um local que poderá contribuir para o tratamento de seus traumas psicológicos. No local os pacientes se ocupam com atividades corriqueiras que vão de cuidados com a horta e com os animais, passando por aulas de música até chegar à caminhadas junto a natureza. Tudo parece leve - sensação ampliada pela atitude amistosa de Reiko, a colega de quarto de Naoko que, a despeito de ter quase o dobro da idade de ambos, deixa ambos à vontade. A cada visita de Toru à Naoko as incertezas aumentarão. Ela se recuperará? Valerá a pena mesmo investir em um relacionamento com a ex-namorada do falecido melhor amigo? Midori não seria uma aposta mais segura? O que fazer afinal da vida, que avança inexoravelmente? Sem respostas fáceis, Murakami nos conduz com maestria por essa narrativa tão fascinante quanto nostálgica. Vale conferir.

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