quinta-feira, 8 de abril de 2021

A Volta ao Mundo em 80 Filmes - Quo Vadis, Aida? (Bósnia-Herzegovina)

De: Jasmila Zbanic. Com Jasna Djuricic, Boris Isakovic e Joes Brauers. Drama, Bósnia-Herzegovina / Alemanha / Áustria / França / Noruega / Holanda / Romênia / Polônia / Turquia, 2020, 102 minutos.

Expressão latina que significa "Para onde vais?", Quo vadis refere-se a um evangelho apócrifo conhecido como Atos de Pedro. Nele, São Pedro está em fuga de uma provável crucificação em Roma quando encontra Jesus ressuscitado, ocasião em que faz a dita pergunta. Ao que Jesus responde Roman vado iterum crucifigi (Vou a Roma para ser crucificado de novo) - um sacrifício que será feito em nome da humanidade. Nesse sentido, talvez não seja por acaso que a diretora Jasmila Zbanic - do ótimo Em Segredo (2006) - tome a expressão emprestada para narrar a verdadeira via crúcis de Aida (Jasna Djuricic), uma tradutora que tenta, de todas as maneiras possíveis, salvar a sua família (marido e dois filhos), em meio ao trágico episódio que ficou conhecido no ano de 1995 como Genocídio da Bósnia (parte da Guerra das Balcãs), ocasião em que tropas sérvias avançaram sobre a cidade de Srebrenica com o intuito de realizar uma "limpeza étnica".

Militarismo, religião, preconceito, ódio, intolerância. Pra quem acha que polarização política é uma exclusividade do Brasil, uma obra como Quo Vadis, Aida? (Quo Vadis, Aida?) nos mostra um tipo de brutalidade quase inexplicável - um massacre que resultou no assassinato de mais de 8.300 bósnios pelo simples fato de serem muçulmanos. Homens, mulheres, idosos, crianças. Perpetrado pelo Exército Bósnio da Sérvia sob o comando do general Mladic (no filme, vivido por Boris Isakovic), o genocídio avançou sobre Srebrenica, a despeito dos esforços da Organização das Nações Unidas (ONU) em tornar esta uma área segura. É toda essa tensão, com a fuga de centenas de moradores e as tentativas frustradas de negociação de representantes da ONU - com uma série de equívocos estratégicos - que o filme, dolorosamente, nos mostra. É um contexto nem sempre fácil de entender e que talvez exija do cinéfilo a leitura de algum material complementar que esclareça o que acontecia naquele período.

 

Absolutamente naturalista, a obra acompanha as movimentações de Aida em meio ao quartel general da ONU com a câmera tão grudada em seu rosto, que temos a impressão de estar assistindo a um documentário. Não há muito espaço para respiro e confesso que a obra talvez não seja tão indicada para todos os paladares - dado o caráter desalentador, caótico e bélico da produção. Em meio a milhares de pessoas que se acotovelam junto ao complexo instalado pela ONU, Aida vai pra lá e pra cá em meio a traduções desesperadas, negociações frustradas e tentativas inúteis de manter seus familiares próximos. O desfecho absurdamente trágico do episódio - que mais tarde seria julgado pelo Tribunal Internacional de Haia - revela ainda a fragilidade de órgãos que deveriam trabalhar pela paz, no local, sendo bizarro perceber como representantes da ONU não apenas cederam as pressões do ditador Mladic, como ainda contribuíram, de forma indireta, para a execução de milhares de civis (e é difícil não ficar com o estômago embrulhado com aquilo que acompanhamos).

E por mais brutal que seja a reconstituição de um massacre como esse, acredito no poder das artes como veículo de transformação da sociedade - e para que estejamos atentos para que episódios desse tipo não se repitam. Aqui e ali, volta e meia, pode surgir algum novo candidato a ditador do novo milênio, pronto pra perpetrar um "genocídio" à sua maneira. No caso do filme, a dramatização é dolorida, traumática, tensa. É uma obra árida, claustrofóbica, pouco palatável. Mas que conta com um esforço exemplar de todos os envolvidos na produção - o que resulta em uma película totalmente realista e que retira dos livros de história esse traumático acontecimento. Talvez Quo Vadis, Ainda? não supere o favorito Druk, de Thomas Vinterberg, na luta pelo Oscar na categoria Filme em Língua Estrangeira. Mas ao chegar à final na premiação, a produção ganha força, chegando a mais pessoas e se tornando um verdadeiro documento de seu tempo.

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