De: Fradique. Com José Kiteculo, Filomena Manuel, David Caracol e Adalberto Cawaia. Drama, Angola, 2020, 72 minutos.
Em linhas gerais, o filme dirigido por Fradique - e que tem tido ótima recepção da crítica, tendo faturado uma série de prêmios internacionais -, é recheado de camadas e não pretende entregar respostas fáceis. Como um observador do cotidiano, Matacedo circula pelos corredores, escadarias e ruelas que envolvem o condomínio com uma placidez que quase destoa da balbúrdia caótica da capital africana. Há aqui e ali discussões que envolvem problemas ambientais, ausência de uma política Estado que promova a sustentabilidade, contrastes sociais e traumas que aludem à Guerra Civil enfrentada pelo País. O calor claudicante e a reação bizarra dos aparelhos parece ser uma resposta meio generalizada a tudo: no simbolismo da interrupção da geração do condicionamento há também a análise de uma sociedade que se comporta de forma letárgica, paralisada, permanecendo em um meio termo entre passado e futuro.
Nesse sentido, talvez não haja personagem mais envolvente do que o misterioso Sr. Mino, que esconde uma série de segredos em meio aos eletrônicos velhos que ocupam sua oficina. Em uma sequência singular, que mais parece saída das páginas de algum livro tipo Ficções, de Jorge Luis Borges, o veterano de ocupa de construir uma engenhoca que promete "resgatar memórias". Uma vez envolvido com ela, Matacedo passa a ter devaneios cheios de frescor, de cores e de músicas que remetem a algum tipo de período nostálgico que, agora, não mais existe. Matacedo, aliás, parece estar sempre buscando alguma coisa, mas não sabemos exatamente o quê. Em cada beco, nas conversas telepáticas com outros imigrantes, na persistência com que exerce seu ofício, no silêncio diligente com que acompanha os movimentos da vizinhança, em tudo parece haver uma predisposição para continuar. Ainda que não se tenha certeza de para onde.
Ao cabo trata-se de uma experiência cinematográfica de grande riqueza técnica, que aposta em longos planos-sequência e em ângulos de câmera desafiadores, que nos fazem observar o tempo todo o topo, o alto dos prédios (como se aguardássemos a tragédia, a queda inesperada, o acidente de percurso inusitado). Já a trilha sonora tropical, de notas primaveris - cortesia da compositora Aline Frazão -, vai no limite entre o contemporâneo e o ancestral, entre o moderno e o arcaico, contribuindo para o clima geral de estranhamento exercido pela narrativa. Eu confesso que nunca havia assistido um filme angolano e confesso que fiquei impactado positivamente - especialmente por saber que existem outros polos, com realizadores e coletivos que investem em contar histórias locais, que dialogam com temas universais. Além de tudo tem o fato de ser curtinho - pouco mais de 70 minutos, o que também não deixa de ser um atrativo.
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