De: Jirí Stretch. Com Jirina Bohdalová, Krystof Hadek e Miroslav Etzler. Drama / Suspense, República Tcheca, 2019, 89 minutos.
Não deixa de ser uma curiosa coincidência o fato de um filme tão hitchcockiano como o tcheco Suspeita (Klec) ter recebido o mesmo título em português de um dos clássicos do Mestre do Suspense. Bom, homenagens e curiosidades à parte, a obra do diretor Jiri Stretch - disponível na plataforma da Amazon - é um excelente exercício de estilo, gerando uma espécie de tensão meio involuntária, que nos conduz por um terreno absolutamente imprevisível. E admito que simpatizo demais com filmes que apostam em um senso de humor meio excêntrico e, aqui, confesso que, enquanto os créditos subiam, permaneci uns bons minutos com um sorriso meio abobado no rosto. A trama nesse caso é simplíssima e coloca frente à frente a octogenária e solitária senhora Galová (Jirina Bohdalová) e o jovem e ambicioso ator Daniel Baxa (Krystof Hadek), que surge meio do nada sugerindo ser um parente meio distante da idosa (algo tipo um tatatatata-sobrinho).
Bom, não demora pra que a gente perceba que tudo não passa de uma farsa. De saída já constatamos que a senhora Galová é extremamente solitária. Não por acaso os momentos mais emocionantes da semana envolvem receber as cartas e as revistas do correio - e chega a ser comovente a persistência da velhinha em tentar fazer com que a entregadora entre nem que seja para uma prosaica xícara de café -, e organizar a sacristia, fazer a limpeza geral da Igreja e elaborar as refeições do Pároco da comunidade (ela é uma espécie de ministra da Paróquia). Quando o Padre que está há mais de 40 anos no local anuncia que a sua missão continuará em outra cidade, a senhora Galová se sentirá ainda mais solitária - especialmente pelo fato de o novo sacerdote não se mostrar muito disposto a contar com os serviços da idosa. Ele é vegetariano, aparentemente menos conservador. Há uma sensação nova de não pertencimento.
Em paralelo, conhecemos um pouco da rotina de Daniel, um ator que busca comover seus empregadores com performances bastante canastronas (com direito a choros forçados), enquanto tenta manter, sem muito sucesso, as contas em dia. Após um ultimato do senhorio que cobra cinco meses de aluguel atrasados, dando um mês de prazo para que a questão seja solucionada, o jovem aparece de forma meio inesperada na "vida" da senhora Galová, como o suposto parente que ela não tem muito conhecimento. Com direito a um documento em que uma árvore genealógica está condensada. O pouco de atenção recebido pela senhora Galová à comoverá, fazendo com que, aos poucos, o rapaz entre em sua vida sem muito esforço. Como espectadores, sabemos que há algo errado. Os olhares de Daniel e a atenção dada aos pequenos detalhes faz com que a sensação de que algo muito grave está para acontecer se amplie a cada instante.
E é aí que a narrativa ganha força. Mostrando flashbacks com detalhes da juventude de Daniel, saberemos que sua relação com a mãe e com seu padrasto não é das melhores. Mas ele teria, de fato, potencial pra se converter em um criminoso? Até que ponto ele levaria a sua mentira pra tentar se beneficiar de uma velha indefesa? O que ele pretende? Roubar? Matar? Conduzindo seu arco dramático central de forma vigorosa, o diretor surpreende ao estabelecer a relação entre os antagonistas de uma forma pouco usual, fazendo com que a dupla se veja "presa" entre si, com poucas possibilidades para uma solução mais fácil. É um jogo inesperado de gato e rato, que utiliza o próprio apartamento da idosa como uma ambiente difuso, caótico e de fechaduras travadas. Há um quê de Festim Diabólico (1948) misturado com Disque M Para Matar (1954) no uso do ambiente como "personagem". Mas não é só isso. A imprevisibilidade tão típica dos filmes de Hitchcock aqui também ganha espaço. O que torna tudo melhor - e muito mais inusitado - do que o roteiro sugere.
Nota: 8,0
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