terça-feira, 21 de dezembro de 2021

25 Melhores Discos Internacionais de 2021 (+15 Menções Honrosas)

Quem acompanha listas de melhores certamente percebeu o fato de, neste ano, não ter havido uma grande unanimidade entre a crítica. Nesse sentido, diferentemente do que rolou ano passado com o comentadíssimo Fetch de Bolt Cutters da Fiona Apple, em 2021 a coisa ficou bem espalhada, com vários artistas diferentes aparecendo nas primeiras posições dos principais veículos. E esse pode ser um bom sinal, a meu ver, já que isso pode significar uma verdadeira enxurrada de bons lançamentos no período - inclusive daqueles trabalhos que estavam, por um ou outro motivo, represados. Também é importante destacar que este, definitivamente, foi um ano das mulheres - e talvez não seja por acaso que, da nossa relação de 40 discos, 25 sejam encabeçados por elas. Aliás, muitas delas meninas, que mal estão chegando a maioridade - casos de Olivia Rodrigo, Arlo Parks e Billie Eilish, pra ficar em alguns exemplos. No mais, aqui na nossa lista de 25 Melhores Discos Internacionais de 2021, com mais 15 Menções Honrosas, impera o ecletismo. Enfrentar esses tempos brutos, afinal, não é tarefa fácil. Mas com arte, com música, com dança, talvez seja possível. Boa leitura!
 

 
Menções honrosas:
 
40) Halsey (If I Can't Have Love, I Want Power)

39) Field Music (Flat With Moon)

38) Lucy Dacus (Home Video)
 
37) Clairo (Sling)

36) Courtney Barnett (Things Take Time, Take Time)

35) Julien Baker (Little Oblivions)

34) Tyler, The Creator (CALL ME IF YOU GET LOST)

33) Kacey Musgraves (Star Crossed)

32) Remi Wolf (Juno)

31) Cassandra Jenkins (An Overview On Phenomenal Nature)

30) The Weather Station (Ignorance)

29) Tune-Yards (sketchy.)

28) Lana Del Rey (Chemtrails Over The Country Club)

27) Laura Mvula (Pink Noise) 

26) Turnstile (Glow On)



25) Faye Webster (I Know I'm Funny haha): curioso notar como a maturidade musical da cantora Faye Webster aparece quase como uma contradição daquilo que ela pretende que seja, ao menos em partes, a sua porção mais "engraçadinha". Sim, porque se por um lado a capa espirituosa do quarto trabalho parece demonstrar uma predileção pela ironia autoindulgente, por outro a sobriedade das melodias, eventualmente tímidas, deixa transparecer uma espécie de conformismo diante das vicissitudes da vida. Assim, talvez não seja por acaso que a artista cante sobre a comoção de perceber um amor que estava bem diante de si (Você me faz querer chorar / Em um bom sentido), para no instante seguinte se ver envolta em incertezas românticas (Pergunte o que você quiser, peça o que você precisa / Eu vou te contar tudo o que sei / Eu espero que você nunca vá embora) - em In a Good Way e Kind Of respectivamente. "Risos e lágrimas, tédio e solidão, terríveis proprietários e Linkin Park, todos eles têm a mesma densidade em suas canções" resumiu o crítico Jeremy D. Larson na resenha para o site Pitchfork. E, encontrar o equilíbrio em meio a tudo, é o que essa jovem de apenas 24 anos tenta.

24) Silk Sonic (An Evening With Silk Sonic): os narizes até podiam estar meio retorcidos quando Bruno Mars e Anderson .Paak anunciaram esse projeto em parceria - e se alguém ainda acha que não poderia dar certo, é só dar play no single Leave The Door Open. Afinal de contas, fazer música pop de qualidade, certeira, direta, também é uma arte e essa canção é tão perfeita em tantos aspectos, que chega a ser um troço quase nojento (no melhor sentido). Nela, Mars está em plena forma: a letra é divertida, sexy e abusada, daquelas que parece querer fazer troça das tentativas de sedução (acabei de me barbear / estou liso como um bebê), que culminarão, vá lá, talvez no melhor e mais límpido refrão do ano. Sim, não é assim tudo aquela perfeição, mas é R&B de qualidade, produzido com esmero técnico e um "polimento" que leva o brilho para além do espectro sonoro, se estendendo para os clipes, para as aparições públicas, para as apresentações em programas de TV. Ouvir música, a gente também não pode esquecer, que também é diversão (alô, Diogão!). E essa "estreia" suculenta cumpre essa premissa à perfeição.

23) Manic Street Preachers (The Ultra Vivid Lament): convenhamos, em alguns casos a gente tende a ter uma maior exigência com aqueles artistas mais experientes, que sabemos que podem entregar coisa boa. É como aquele jogador de futebol que exerce liderança, mas que é um dos primeiros a ser vaiados quando o time sucumbe. No caso dos galeses liderados por James Dean Bradfield lá se vão mais de 30 anos de carreira e 14 discos lançados sendo que absolutamente NENHUM está abaixo da média. Claro, hoje os clássicos The Holy Bible (1994) e Everything Must Go (1996) parecem produtos de uma realidade distante, em que o britpop ditava as regras para os caminhos da música no mundo. Mas The Ultra Vivid Lament não faz feio e o coletivo permanece atento aos movimentos políticos, sociais e culturais do mundo, sendo o veículo ideal para divagações roqueiras que trafegam entre o niilismo dos tempos e a esperança no futuro - como comprova a vibrante Orwellian (Em todos os lugares que você olhar, em todos os lugares que você voltar / O futuro luta contra o passado, os livros começam a queimar / Vou te guiar pelo apocalipse / Onde eu e você pudéssemos coexistir).

22) Lil Nas X (MONTERO): da arte multicolorida da capa, passando pelas batidas e sintetizadores tropicais, até chegar ao vocal cheio de efeitos, eventualmente duplicado ou com autotune, tudo na estreia de Lamar Hill remete ao tipo de música que seria figurinha fácil na programação de alguma estação que tivesse como slogan "a rádio da moçada". A sensação geral é urbana, de beira de piscina, de drinks e de carrões, de gostosas e de música alta. Por mais que esteja apenas em seu primeira registro, Lil Nas X já é uma espécie de "veterano" não apenas na música - alguém aí se lembra do megahit Old Town Road? - mas em peças publicitárias, carregando seu estilo pra dentro de suas canções, que vão no limite entre o hip hop, o trap, a eletrônica, o R&B do começo dos anos 2000 e o pop. Gay assumido, também utiliza a sua arte para confrontar padrões, para quebrar o status quo e, claro, pra incomodar os "puristas". Um bom exemplo de seu comportamento iconoclasta está no single Industry Baby, com seu videoclipe provocativo e letra idem (Sou um cara pop como o Bieber, / Eu não fodo com vadias, sou bicha).

21) St. Vincent (Daddy's Home): se o sétimo disco de Annie Clark como St. Vincent fosse um pecado capital, não há dúvida, ele seria a luxúria. Da sugestão ao hedonismo vista na capa, passando pelos versos provocativos até chegar as melodias que vão no limite entre o glam rock setentista e o soul de emanações psicodélicas, tudo no trabalho parece ousado. Nesse sentido, não são poucos os instantes em que a artista debocha das convenções sociais como o casamento (Vestir-se de branco / Deslize no anel / Ande direto pelo corredor / Para as cordas de violino / Isso faz de você um gênio ou / O idiota da semana) ou a maternidade (Então eu fui ao parque apenas para observar as crianças pequenas / As mães viram meus saltos e disseram que eu não era bem-vinda) - em Somebody Like Me e Pay Your Way In Pain respectivamente. Observadora do cotidiano, a compositora não deixa de estar atenta aos movimentos políticos, sociais, culturais e tecnológicos da atualidade. Além de ter de confrontar a dor permanente de ter tido de lidar com a prisão do pai - como descreve a angulosa (e ambígua) faixa-título.

20) Parquet Courts (Sympathy for Life): e se o Kraftwerk fosse uma banda de pós-punk preocupada com o absurdo da precarização do trabalho na era moderna? É mais ou menos lá pela terceira música - no caso a hipnótica Marathon of Anger -, que passamos a perceber as infinitas possibilidades de reformulação da sonoridade da banda nova-iorquina. Num movimento parecido com aquele perpetrado pelos dinamarqueses do Iceage, o coletivo capitaneado por Andrew Savage e Austin Brown parece a cada dia mais interessado em deixar a sonoridade crua, impenetrável e quase confusa de discos como Light Up Gold (2012) e Sunbathing Animal (2014) para trás, passando a investir em músicas mais acessíveis, mais dançantes e que beiram o flerte com o pop. Sim, os temas permanecem os mesmos - excessos da industrialização, destruição da natureza, obscenidade tecnológica, capitalismo tardio. O que foi definitivamente limpa, possibilitando uma aproximação maior com o público, foi a poeira que, anteriormente, parecia vagar pelo estúdio. As comparações com Primal Scream e Talking Heads, afinal, não são de graça.

19) Jazmine Sullivan (Heaux Tales): "tudo é sobre o sexo, exceto o sexo. Sexo é sobre poder". A frase atribuída à Oscar Wilde, replicada justamente pelo cínico Frank Underwood em House of Cards (alguns anos anos do Kevin Spacey ser, com justiça, cancelado), talvez resuma à perfeição o conceito estabelecido pela norte-americana Jazmine Sullivan em seu quarto trabalho. Em oito canções entrecortadas por interlúdios que funcionam como narrativas reais sobre relacionamentos (seus anseios, expectativas, frustrações e até desastres), a artista utiliza o seu R&B vigoroso quase como uma forma de expurgo. Aqui e ali o trabalho avança em meio a memórias que ficam de relacionamentos que se despedaçam (Pick Up Your Fellings) e sobre incertezas e inseguranças em relação ao futuro e a nós mesmos (Girl Like Me). Nas letras a latência vai ao limite, com o jogo de palavras e a batida envolvente surgindo o tempo todo como forma de discutir dor e tesão. É o caso, por exemplo, da ultrasexy On It (Porque eu ouvi alguma merda estranha sobre você / Então deixe-me ver o que essa boca faz / Porque baby não é tão fácil me agradar, estou carente / Eu preciso de mais atenção com diferentes posições).

18) Snail Mail (Valentine): como se estivéssemos em meio a uma narrativa literária fragmentada - à moda de um Haruki Murakami talvez -, em que todas as etapas de um relacionamento juvenil, pontuado por incertezas, se materializam. É exatamente esse o nosso sentimento ao ouvir o segundo trabalho de Lindsay Jordan como Snail Mail. No limite entre a esquisitice e a comiseração, entre o shoegaze e o pop, a artista aposta nas melodias retrô/nostálgicas/noventistas, que servem de base para as suas letras cheias de personalidade e, principalmente, de honestidade. Um bom exemplo desse expediente está na melodramática e lírica Light Blue, que aposta em um violãozinho agridoce que casa perfeitamente com a letra delicada (Quero acordar cedo todos os dias / Só para estar acordada / No mesmo mundo que você). Mas em meio a divagações que unem um tom meio conformista - como se as clínicas de reabilitação fossem um mal necessário em tempos de "amores líquidos" -, a jovem compositora não tem vergonha de parecer cringe enquanto divaga sobre a saudade de algum ex ou a respeito de obsessões de quem tem como único defeito amar demais. Uma joia.

17) The Killers (Pressure Machine): um The Killers muito mais reflexivo, contemplativo e sutil é aquilo que encontramos nesse ótimo sétimo disco da banda de Las Vegas. Sim, a festa purpurinada, dançante e explosivamente roqueira vista nos trabalhos anteriores dá lugar agora a um registro mais íntimo, de essência nostálgica, que pretende navegar sem pressa em meio a esse contexto urgente, tecnológico, de pandemia e de incertezas que vivemos. E, nesse sentido, confesso que esse álbum faz muito bem. Aliás, talvez seja o melhor de Brandon Flowers e companhia em anos. É da economia, afinal, que brotam as grandes canções do disco - casos de Quiet Town, Cody e a perfeita Runaway Horses, que conta com a participação de Phoebe Bridgers, Isso sem contar a inaugural West Hills, com seu instrumental folk à moda Mutual Benefit que já nos insere naquele clima "cidade pequena do interior que pede para ser abraçada". A crítica, aparentemente, saudou a mudança de rumo. Aliás, a gente muitas vezes espera isso de uma banda. Alguma alteração, um sopro de novidade. Um algo diferente que saia da mesmice. O Killers conseguiu.
 
16) Mdou Moctar (Afrique Victime): "A África é vítima de tantos crimes / Se ficarmos em silêncio será o nosso fim / Por que isso está acontecendo? Qual é a razão por trás disso? / Meus irmãos e irmãs, me digam por que isso está acontecendo?". É em tom de lamento que a penúltima música do quinto trabalho do cantor de Níger inicia. Mas não demora para, no instante seguinte, o desalento inicial dar lugar a uma explosão festiva de cores, de sons, de ancestralidade, de psicodelia. De força, enfim. De grande beleza lírica e melódica, o trabalho recorre ás batucadas típicas do povo tuaregue, que se mesclam às guitarras folclóricas, em uma sonoridade bucólica, poderosa e de grande valor poético. São instantes que vão e vem, que remetem à encontros familiares para a produção de música coletiva, com corais, palmas e outros barulhos evocativos, que se misturam ao som ambiente para formar uma colcha atmosférica, que servirá como a cama perfeita para discussões políticas e sociais. Em meio à tudo há espaço para o amor em sua forma mais pura, como atesta o folk pastoril e encantador Tala Tannam (Usei pedras para escrever seu nome em um coração / A água nunca pode lavá-lo porque está rodeado por árvores).

15) Bo Burnham (Inside: The Songs): vamos combinar que um sujeito que cria um clássico pop moderno e debochado como White Woman's Instagram jamais poderia ficar de fora dessa lista. Não se trata apenas de uma música - mais uma que integra a coleção de ótimas canções que acompanha a melhor apresentação de stand up da Netflix lançada no último ano, em meio à pandemia. A canção é um verdadeiro manifesto sobre a futilidade exibida nas redes, com uma melodia soberbamente executada, que acompanha a pseudo mania de grandeza dos influenciadores digitais dos tempos que vivemos. Burnham é cirúrgico, corrosivo e quase misantropo em sua análise do contexto político social atual. De seu quarto, em meio a crises de ansiedade e ataques de pânico escreveu, compôs, atuou, filmou e ditou o especial aqui já citado. De forma paradoxal, a tecnologia parece funcionar como um amálgama de tudo. O que rende outros belos instantes como Sexting, Welcome to the Internet, Bezos e Face Time With My Mom Tonight, numa mescla irresistível de anos 80, eletrônica moderna e R&B. É um trabalho completo.

14) CHVRCHES (Screen Violence): retornando à boa forma mostrada no inaugural The Bones of What You Believe (2013) - álbum que tinha, entre outras, os hits The Mother We Share e We Sink - Lauren Mayberry, Iain Cook e Martin Doherty apostam novamente no synthpop movimentado, eventualmente soturno, recheado por refrãos grudentos, que deixam para trás a má impressão causada pelo pouco inspirado trabalho anterior Love Is Dead (2018). Ainda que produzido em um contexto de pandemia, o disco opera no modo "esperamos vocês no estádio pra cantar junto conosco". Sim, as letras podem soar melancólicas, reflexivas - a perfeita Violent Delights fala de morte de uma forma sombriamente romântica (aliás, condição que se estende a capa do projeto) -, mas a dor é convertida em redenção, a cada evolução robótica da melodia. A conclusão é a de que dá pra falar do mal-estar do mundo, da tecnologia empregada de forma difusa, da violência cotidiana e da fragilidade das relações. E ainda fazer um verdadeiro hinário em forma de álbum.

13) Iceage (Seek Shelter): não sei se dá pra chamar de "evolução" a trajetória trilhada pelo Iceage em direção a uma sonoridade mais acessível, mais palatável, mas esse parece ser, ao menos aparentemente, um caminho sem volta. Sim, porque tudo que a banda dinamarquesa tinha de soturna, de suja e de sombria nos inaugurais New Brigade (2011) ou You're Nothing (2013), o coletivo agora tem de limpo, de melodioso. Até de pop. E isso começou já no ótimo Beyondless - o nosso 15º melhor disco internacional de 2018 -, que desenterrou o grupo do vocalista Elias Bender Rønnenfelt do hermetismo, tornando-o próximo de um público mais amplo (e eu sou um dos que saúdo essa opção). Da inaugural Shelter Song (que surge numa aura meio Afghan Whigs) à conclusão com The Holding Hand, o coletivo entrega uma série de devaneios cotidianos, que unem um niilismo subversivo e uma série de questões existenciais, que parecem fazer o casamento perfeito com o pós-punk oitentista. Um bom exemplo disso está na minimalista Drink Rain, um jazzinho meio torto e envolvente com letra sobre "beber chuva pra se aproximar da pessoa amada". É muito bom.

12) Billie Eilish (Happier Than Never): uma melodia de base minimalista, a voz sussurrada, quase "pastosa" de Billie Eilish, a completa ausência de pressa pra qualquer coisa, mesmo diante da necessidade de se discutir assuntos relevantes. Acho que é nesse paradoxo entre a sutileza instrumental - econômica até o limite - e a potência dos versos quase declamados, que reside uma das forças do trabalho de Eilish. Em linhas gerais a artista se parece com aquela millennial que procrastinou a arrumação do quarto, enquanto conversa com a amiga a respeito de casos de abusos sexuais, a relação conturbada com o próprio corpo ou sobre o trauma do acesso à pornografia precoce. Para a compositora, o ideal do mundo pop como conto de fadas praticamente não existe e ela faz questão de direcionar esse segundo trabalho também para o aspecto desalentador da fama - especialmente pelo fato de ela desviar, ao menos de forma aparente, desse universo. Talvez por isso tantas de suas músicas parecem evocar cafeterias da velha Hollywood, onde jovens novos demais reclamam sobre estarem ficando velhos. A vida acontece num turbilhão para a artista. E a sua análise desse contexto não foge do caráter existencialista. 

11) The War On Drugs (I Don't Live Here Anymore): esse é aquele tipo de disco que vale a pena colocar os fones de ouvido, dar play, fechar os olhos e mergulhar nas ambientações nostálgicas, primaveris, proporcionadas pelas melodias expansivas do coletivo capitaneado por Adam Granduciel. Com produção caprichada, vocal limpo - que evoca um misto de Bruce Springsteen com contemporâneos como Kurt Vile - e instrumental envolvente (com destaque para a guitarrinha melancólica), as músicas parecem ir direto ao coração sem esforço algum, nos jogando para o final de tarde na pequena cidade, para estradas que parecem infinitas em suas curvas, para chuvas que molham as próprias lágrimas e para a solidão que, mais adiante, poderá se converter em solitude. Sim, a gente sabe, acreditar no rock em dezembro de 2021 parece trabalhoso, mas dê uma chance para essa banda que parece um tanto disposta a fazer o hinário do sonho americano, mas de forma oxigenada, com personalidade, sem amarras, como atestam as irresistíveis Harmonia's Dream, I Don't Wanna Wait e I Don't Live Here Anymore.

10) Little Simz (Sometimes I Might Be Introvert): em tempos tão corridos, tão urgentes como os que vivemos parece um contrassenso parar para ouvir um registro de 19 faixas, com mais de uma hora. Mas eu garanto a vocês que vale a pena se dar esse tempo na hora de conferir o quarto trabalho da rapper inglesa. É um álbum envolvente já que, ao mesmo tempo em que é charmoso - há uma série de emanações classudas do R&B à moda dos anos 90 (no limite entre o sexy e o sofisticado) -, provoca, sem fazer concessões na discussão de temas como relacionamentos falhos, validação, ego, obsessões pela fama, entre outros. Na realidade, é como se as músicas brincassem o tempo todo com o conceito da "introversão" sugerida pelo título do disco, como se o contraste entre a economia eventual e a expansão orquestral funcionassem como um paradoxo para os sentimentos da própria artista. É o minimalismo que encontra o caos, a sutileza que se debate com a megalomania. O que se estende para as letras, como no caso da sedutora e autoexplicativa I Love You, I Hate You (A pressão vai me levar a novas alturas ou será a minha morte? Te odeio / Minhas intenções corresponderão ao que aconselho? Te odeio).
 

9) Teenage Fanclub (Endless Arcade): parece incrível pensar que os escoceses do Teenage Fanclub já estão com mais de 30 anos de carreira. E que continuam produzindo com regularidade, vigor e alguma relevância - a despeito da aparência de "tiozões do rock" que Norman Blake e companhia, naturalmente, agora ostentam. Para quem cresceu ouvindo o quarteto - caso de qualquer adolescente consumidor de programas noventistas como o Lado B, exibido pela extinta MTV -, é muito satisfatório dar play em discos como este Endless Arcade e perceber que pouca coisa mudou em relação aos grandes álbuns clássicos (caso do imperdível Grand Prix). Vá lá, os integrantes do grupo certamente amadureceram, as letras provavelmente estão mais cabeçudas e menos juvenis (aliás, o mundo mudou, né?), mas a sonoridade agridoce, primaveril, daquelas que aconchega o ouvinte, segue intocada. Faça um teste com The Sun Won't Shine On Me, Warm Embrace e com Back In The Day - esta última candidata fácil a uma das melhores canções do ano. Dificilmente você não será tragado pelas ambientações ensolaradas e nostálgicas dos escoceses.

8) Adele (30): não chega a ser exatamente uma novidade: a dor de cotovelo costuma ser uma excelente matéria-prima para grandes canções - e ótimos discos. Só que o que Adele faz com 30 não é entregar seu coração em uma bandeja. É mais do que isso, já que ela esparrama suas vísceras para quem se aventurar pelas suas dolorosas e classudas composições. A britânica se separou do empresário Simon Konecki recentemente. E executa o seu ofício como forma de expiar as dores do divórcio. E talvez seja justamente por isso que o trabalho tenha gerado tanta identificação com o ouvinte, afinal de contas, quem nunca? Indo do R&B noventista (Cry Your Heart Out) ao neo-soul (Woman Like Me), com uma paradinha na nostalgia jazzística (My Little Love), a artista banha o registro de personalidade, sem jamais abusar da autoindulgência. Peça central do trabalho, To Be Loved é o verdadeiro grito de algo que parece entalado na goela, funcionando quase como um poema póstumo destinado ao filho Angelo (Já é hora de eu me enfrentar / Tudo que faço é sangrar em outra pessoa / Pintando paredes com todas as minhas lágrimas secretas / Enchendo quartos com todas as minhas esperanças e medos).

7) Bleachers (Take the Sadness Out of Saturday Night): talvez o terceiro disco de Jack Antonoff não tenha a perfeição pop do anterior, Gone Now (2017) - registro que tinha os hits instantâneos Hate That You Know Me e Don't Take the Money -, mas é mais um álbum que evidencia a versatilidade do produtor, especialmente na hora de conceber canções radiofônicas que sejam de fácil "digestão". Trata-se ao cabo de mais uma coleção tão heterogênea quanto honesta - e não é por acaso que nos deparamos com uma grande variedade de instrumentos, aqui e ali, sejam os violinos da inaugural 91, os sopros de How Dare You Want More (que mais parece saída de algum material do Vampire Weekend) ou a guitarrinha noventista à moda Pavement de Secret Life (esta, gravada com a onipresente Lana Del Rey). No site The Young Folks o jornalista musical Ian Krietzberg tentou explicar as canções de Antonoff a partir do conceito "intangível que existe apenas em uma pequena categoria de música, que ignora seu cérebro e conecta a música ao seu coração". Acredito que seja uma boa forma de resumir. Em tempo: há uma música com o The Boss em pessoa, chamada Chinatown. Só ela sozinha já faz valer a pena.

6) Japanese Breakfast (Jubilee): um teclado e um sintetizador, que dão lugar a uma percussãozinha tribal e sopros festivos, enquanto Michelle Zauner canta com sua voz graciosa sobre "abrir comportas e não encontrar nem água, nem corrente, nem rio, nem adrenalina". Sim, é só a abertura do terceiro trabalho do Japanese Breakfast e já somos arremessados para um turbilhão de sentimentos, de cores e de possibilidades em que infernos sensuais e sonhos obscenos se mesclam com prazeres exibicionistas e um niilismo hipnotizante. Cordas, pianos, saxofones, guitarras, enfim, o ímpeto de experimentação da artista parece não ter limite já que no decorrer das dez canções podemos passar de algo tipo uma Madonna intimista em começo de carreira (Be Sweet) até uma Minnie Riperton cintilante (Tactics) em questão de minutos. É um álbum que celebra, mas recua. Evolui mas reavalia. E que representa um momento de júbilo - com o perdão do trocadilho - em relação ao indie rock mais puxado pro shoegaze, à época do Psychopomp (2016), disco que ela escreveu em homenagem à mãe, que sofria de câncer.

5) Lana Del Rey (Blue Banisters): vamos combinar que a Lana Del Rey não faz apenas música. Ela faz poesia musicada. E com uma facilidade quase comovente para compor. E, aqui, entra talvez um dos maiores ônus para que o fã brasileiro consiga acompanhar a sua produtiva carreira a contento, já que o oitavo disco da artista praticamente suplica por uma audição com as letras à tiracolo. "Acho que você poderia chamar isso de livro didático" anuncia ela em tom quase premonitório na inaugural Text Book, antes de nos arremessar pra algum cenário fictício (ou não) em que a vida real - as relações amorosas, as rotinas familiares, as adaptações necessárias em tempos de pandemia, os problemas com a imprensa -, se mesclam com instantes oníricos, quase abstratos. Um bom exemplo disso está na espetacular Arcadia, que eleva ao limite o estilo retrô, meio de romance torto, enfumaçado e melancólico que caracteriza a sua obra. Isso sem contar a letra linda - Todas as estradas que levam até você / São tão interligadas para mim quanto as artérias / Que bombeiam o sangue que flui. O disco lançado no primeiro semestre (Chemtrails Over the Country Club) já era FODA. Esse aqui se superou.

4) Self Esteem (Prioritise Pleasure): não é necessário ser muito atento para perceber como a autoconfiança e um divertido apelo ao hedonismo formam a matéria-prima que guia cada canção do registro do Self Esteem. Da foto de capa - cheia de referências a outras artistas - ao título do disco, passando pelas melodias pop curvilíneas e redondinhas e às letras autoafirmativas, o trabalho capitaneado por Rebecca Taylor é pura disposição na hora de questionar padrões, convenções, o status quo. Apostando em uma mistura de afrobeat, trap, eletrônica, gospel e pop noventista de ares primaveris, o trabalho ecoa dores e amores em meio a relacionamentos abusivos e à exaltação do prazer feminino. Peça central do registro, o single I Do This All The Time funciona como uma espécie de poema musicado que reflete sobre a necessidade de buscar algum tipo de força em meio a um cenário de culpa (Não fique envergonhada pelo fato de que tudo o que você teve foi diversão / Priorize o prazer / Não envie textão). Ainda assim, por mais que haja momentos mais sérios, mais classudos, é na hora do deboche que o bicho pega, como comprovam as irresistíveis Fucking Wizardry, Hobbies 2 e Moody.

3) Olivia Rodrigo (SOUR): adoro pensar no fato de, no mundo das artes, ainda haver espaço para sermos permanentemente surpreendidos. Mesmo quando a gente acha que alguma fórmula já possa ter se esgotado. Tomemos como exemplo a música pop e a sua capacidade quase infinita de reinvenção. É algo que parece não estabelecer limites. Há até um ano atrás, por exemplo, eu sequer havia ouvido falar da norte-americana Olivia Rodrigo. É uma pirralha de 18 anos. Mas com uma capacidade quase única de converter os seus sentimentos ainda juvenis em verdadeiros hinos hipnóticos e comerciais, que dialogam conosco de uma forma quase torta - como se o distanciamento de um tiozão de 40 anos (meu caso), se reduzisse a pó a cada batida eletrônica efervescente e a cada sintetizador acolchoado. O tema pode ser a desilusão amorosa, justo no dia em que se a carteira de motorista foi tirada (como no megahit Drivers License) ou o sofrimento, diante de comportamentos mesquinhos que se repetem (Deja Vu, esta talvez a melhor canção desse 2021, com sua melodia existencialista, que serve de base para a letra potente). Já eu, como bom ouvinte estou lá. Que nem um abobado, cantando junto.

2) Arlo Parks (Collapsed In Sunbeans): "como você realmente se sente?", "por que você simplesmente não vai?", "por que tornamos as coisas mais simples tão difíceis?", "não seria adorável sentir algo pelo menos uma vez?". Primeiro álbum da compositora britânica Arlo Parks, Collapsed In Sunbeans parece ser um registro de perguntas - mas que nem sempre possuem respostas fáceis. Em meio à citações variadas que vão de Twin Peaks, passando por Sylvia Plath, até chegar à Thom Yorke, a artista mistura R&B, jazz e pop com sofisticação, criando uma coleção de canções que refletem sobre a condição humana, mas sem deixar de manter o pé bem firme fantasia literária. Como se fosse uma mistura de Lily Allen e Corinne Bailey Rae, Arlo aposta na sua voz aveludada para aconchegar o ouvinte, fazendo-o cantarolar junto não apenas os refrões, mas também os versos mais difíceis. É o caso por exemplo da sinuosa Green Eyes, que extrai o melhor do cotidiano de um casal que esvanece em meio a culpas bobas (Claro que sei porque duramos dois meses / Você não podia segurar minha mão em público). Um achado.

1) Wolf Alice (Blue Weekend): ano a ano somos presenteados com grandes lançamentos musicais mas, vá lá, é muito de vez em quando que temos a percepção de estar diante de algo celestialmente superior. E esse foi exatamente o meu sentimento ao ouvir - e ouvir, e ouvir e ouvir - o terceiro e, disparado, melhor trabalho dos britânicos do Wolf Alice. Guiada pela voz e pelas letras irresistíveis de Ellie Rowsell, somos conduzidos em um universo de sonhos, meio onírico, que parecem misturar algum filme dos anos 80 do David Lynch em que a música é tocada pela Annie Lennox num encontro com o Yeah Yeah Yeahs. São canções como Lipstick On the Glass e Delicious Things que começam econômicas e crescem - e que nos fazem ter vontade de estar em um estádio berrando junto. Aqui e ali há pitadas de new age, de música épica, de dream pop, de rock garageiro e não deixa de impressionar como tudo fecha direitinho. Até quando a banda quer soar despretensiosa e moderninha ela consegue, produzindo talvez uma das melhores músicas do ano. Dúvida? Aperte o play em Safe From Heartbreak (If You Never Fall In Love). O sorriso brotará espontaneamente.

E então, pessoal, gostaram da lista? Não deixem de comentar dizendo quais discos que foram marcantes pra vocês nesse 2021. E não deixem de nos ajudar a espalhar a boa música!

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