De: Garrett Bradley. Documentário / Drama, EUA, 2020, 81 minutos.
Que o sistema carcerário norte-americano possui uma sanha punitivista especialmente voltada aos negros e aos pobres não chega a ser exatamente uma novidade - e documentários impactantes como o ótimo A 13ª Emenda (2016) comprovam este fato com dados. E, como se fosse um complemento da obra dirigida por Ava DuVernay, o hipnótico documentário Time (Time) é daqueles que mostram a predisposição do Estado não em reabilitar um "bandido" (e aqui eu me obrigo a colocar o termo entre aspas) e sim torná-lo um mero objeto que permanecerá sob seu controle, sistematicamente, até que um grupo de homens - provavelmente brancos - decidam arbitrariamente que este ou aquele sujeito está recuperado. Pronto pra se reintegrar à sociedade. E, posto tudo isso, eu pergunto a vocês, leitores do Picanha: qual seria o tempo adequado de prisão para um homem desesperado que praticou o crime de assalto à mão armada a um banco? Cinco anos? Dez? Trinta? Prisão Perpétua? Cadeira elétrica?
Aqui no Brasil é bem conhecida a história de Rafael Braga, um trabalhador negro que foi preso em 2013 pelo crime de portar consigo uma garrafa de Pinho Sol - em meio aos protestos que ocorriam naquele ano, o produto de limpeza foi confundido com um coquetel molotov. A pena? Onze anos de cadeia - uma solução ordinariamente maniqueísta, que apenas evidencia o racismo estrutural da justiça e da sociedade como um todo. Nos Estados Unidos, o crime aconteceu verdadeiramente e jamais é negado. Desesperados, com quatro filhos para criar à época, e com muitas dívidas relacionadas a loja que mantinham, o casal Sybil e Robert Richardson resolve assaltar um banco, na cidade de Shreveport, no Estado da Louisiana. Ambos acabam presos. Sybil consegue um acordo que lhe liberta três anos e meio depois. Já Robert é condenado a 60 anos de prisão, sem possibilidade de regressão da pena para liberdade condicional. Sessenta anos de prisão. Por um assalto. A um banco. Um pai de família. Desesperado.
E antes que a galera do "bandido bom é bandido morto" apareça por aqui pra reafirmar seu ódio, seu preconceito e sua intolerância, é importante frisar que o documentário soberbamente dirigido pela Garret Bradley jamais exime os seus protagonistas da culpa - e do trauma gerado na famílias, nos amigos e na sociedade em que vivem. Sim, houve um crime fruto do desespero - e eu nem vou colocar em discussão o fato de o casal se sentir completamente desassistido, o que lhes obriga a tentar medidas extremas -, mas o que está em debate aqui é o exagero ou, no mínimo, a discrepância de um sistema carcerário que exaure seus detentos, obrigando-lhe a percorrer um caminho ardoroso até ter de volta a liberdade. Ava DuVernay mostrava que, de alguma forma, a escravidão só mudou a sua tipologia. Garrett Bradley nos apresenta um "case" de sucesso.
E que case, senhoras e senhores! Com uma montagem belíssima e uma trilha sonora envolvente, permanente, inebriante, o documentário utiliza um vasto material de arquivo para mostrar como Sybil deu a volta por cima para criar todos os seis filhos - dois gerados durante a prisão de Robert -, se tornando uma empresária de sucesso e uma palestrante ainda melhor. Adotando Fox Rich como seu novo nome, a película gira em torno dessa resiliente protagonista, bem como de seus esforços para seguir a vida pessoal em frente - mesmo diante das indefinições sobre o futuro do marido (e as cenas em que ela aguarda pacientemente por retornos telefônicos de advogados, escritórios e outros entes jurídicos, são daquelas que geram revolta e ansiedade em igual medida). Favorita ao Oscar em sua categoria, a obra está disponível no serviço de streaming da Amazon Prime e nos faz pensar o tempo todo sobre passagem do tempo, escolhas, memória e como as nossas decisões determinam aquilo que seremos em nossas vidas. Um filmaço que vale cada um de seus apenas 80 minutos.
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