De: Francis Lee. Com Kate Winslet, Saoirse Ronan, Gemma Jones e Fiona Shaw. Romance / Drama, Reino Unido / Austrália, 2020, 120 minutos.
Amonite (Ammonite) pode até ter perdido força na reta final da temporada de premiações - foi um dos esnobados do Oscar desse ano. Mas este fato não retira a qualidade da obra do diretor Francis Lee, que entrega um filme com aquele estilo classudão, de época, com uma elegância que se estende para além dos aspectos técnicos, chegando às interpretações e até ao roteiro - que foge um pouquinho do óbvio na hora de retratar um romance entre duas mulheres. A trama retorna 200 anos no tempo para nos apresentar à paleontóloga Mary Anning (Kate Winslet), uma profissional sisuda, taciturna, que ocupa seus dias buscando evidências científicas de fósseis marinhos de um tipo bem específico de molusco (no caso o amonite do título original), junto ao Canal da Mancha. A rotina de não muita emoção é quebrada com a chegada da jovem Charlotte Murchison (Saoirse Ronan) ao local que, não demora, se transforma em uma espécie de aprendiz de Mary.
Ou, ao menos na teoria, é isso. Charlotte chega ao local conduzida pelo marido (James McArdle) e com uma recomendação médica a tiracolo: a brisa marinha, a água do mar e um ambiente mais tranquilo podem auxiliar a jovem no tratamento de um quadro de "melancolia". Não é preciso ser nenhum adivinho pra saber que a relação se iniciará às turras: pouco aberta para novidades e bastante pragmática, Mary maltratará a sua hóspede improvisada, não fazendo muita questão de esconder seu descontentamento diante da tarefa meio improvisada que lhe é imposta. E tudo piorará quando, fragilizada, Charlotte for acometida de um resfriado, que ampliará a distância entre a dupla central. Mas esse é um romance, não podemos esquecer, e essas dificuldades iniciais serão apenas o combustível para que, aos poucos, as duas se aproximem, iniciando uma relação as escondidas. A conservadora mãe de Mary (a ótima Gemma Jones) não pode sonhar que a filha deseja outra mulher. O mesmo valendo para o escândalo que envolveria Charlotte, uma moça casada.
Ao cabo, trata-se daquele tipo de filme que utiliza a sua ambientação - bem como seu desenho de produção, sua fotografia e até mesmo seu figurino - para a construção da narrativa que assistimos. A praia que a gente vê é acinzentada, pálida, pouco ensolarada. O frio parece emanar de cada canto, de cada frame - e as pedras coletadas não fogem a este aspecto. Mais, como força de reforçar o clima de desolação, Lee nos entrega, em uma das primeiras sequências, um café da manhã em que um ovo cozido se apresenta choco. Uma massa morta salta da casca. A melancolia está em cada poro. E é claro que tudo isso se modificará conforme avançar a amizade entre Mary e Charlotte: as roupas ganharão outras tonalidades, os sorrisos aparecerão bem como uma fresta de sol, aqui e ali. O amor é capaz desse tipo de transformação. Melhor, é capaz de tornar um ovo cozido em apenas isso mesmo: um ovo cozido. Gostoso. Normal.
É o filme que, também, não foge da estrutura convencional das obras de época, pautada muito mais por olhares e silêncios e por desejos nem sempre compreendidos, ou mesmo escondidos. Uma festa aleatória pode ser motivo de desentendimento. Uma carta endereçada pode representar o choro ou o riso. Um acontecimento prosaico que deixa os envolvidos enternecidos. A incerteza sobre tudo é o que rege a narrativa. Há o trabalho, os desejos profissionais, as ambições pessoais. E há o sonho da relação amorosa ideal, que quebra paradigmas, que confronta a sociedade em que todos se inserem. Em geral não há soluções fáceis e Winslet e Ronan se entregam a seus papeis da melhor forma, com a competência que lhes é habitual, nos emocionando e nos fazendo entender, a cada sutil movimento, cada uma de suas decisões. Sim, a Academia esqueceu completamente: mas nós estamos aqui pra lembrar que vale a pena.
Nota: 8,0
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