De: Sian Heder. Com Emilia Jones, Marlee Matlin, Troy Kotsur, Daniel Durant e Eugenio Derbez. Drama, EUA, 2021, 111 minutos.
Em uma das tantas cenas maravilhosamente divertidas de No Ritmo do Coração (CODA), o professor de música Bernardo Villalobos (Eugenio Derbez) lembra a uma de suas alunas a frase dita por David Bowie, na canção Song for Bob Dylan (Escrevi uma canção para você / Sobre um homem jovem e estranho / Chamado Dylan / Com uma voz como areia e cola). Bernardo - ou Sr. V, como gosta de ser chamado -, tenta explicar pra sua pupila o fato de que não basta apenas ter uma bela voz: é preciso também ter o que dizer. Saber o que fazer com ela. Dylan, todos sabemos, sempre soube o que dizer. Com sua voz arenosa, eventualmente claudicante. E a lição que fica para Ruby (Emilia Jones), a protagonista dessa joia dirigida por Sian Heder - e que é uma refilmagem do francês A Família Bélier (2014) -, é a de que há muitas outras formas de comunicar aquilo que desejamos. E que nem sempre uma voz imponente será suficiente para isso. Não que Ruby não soubesse disso. Ela sabe. Especialmente por ser a única pessoa capaz de falar em uma família em que os pais Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin) e o irmão Leo (Daniel Durant) são surdos.
Sim, Ruby pode se expressar com a voz em meio a uma família em que a linguagem de sinais prevalece cotidianamente. Apesar das dificuldades, o quarteto, que trabalha em uma colônia de pescadores em uma pequena cidade da costa dos Estados Unidos, mantém a harmonia. O que não significa que não haja conflitos e não será preciso ser nenhum adivinho para saber que o sonho da jovem em se tornar uma intérprete - com direito a uma bolsa de estudos em um conservatório -, encontrará como principal barreira os próprios pais. Acostumados a uma vida dedicada ao trabalho, Frank e Jackie contam com Ruby quase como uma porta-voz entre os "falantes" que habitam seu universo - sejam eles clientes, fornecedores, empregadores ou os colegas de sindicato. Quando Ruby começa a se destacar em uma atividade extracurricular no coral de escola, o Sr. V percebe o seu imenso potencial. E será necessário explicar aos pais que vivem em um universo ausente de sons, como aquilo pode ser não apenas importante para a jovem, mas também a realização de seu maior sonho.
Nesse sentido, o filme é pródigo em estabelecer um outro contexto para o conceito de "pais castradores", uma vez que Frank e Jackie se comportam dessa maneira muito mais pelas dificuldades em acessar o universo da filha - que mantém algum sigilo, por certo tempo, sobre as aulas de música -, do que por um eventual radicalismo ou por excessos disciplinares. Não por acaso, os pais são retratados como figuras afáveis que possuem uma grande paixão pela vida - e entre si e com os filhos -, o que torna a experiência absolutamente agradável, leve. Condição que garante um bom espaço, inclusive, para risadas - a cena em que Frank explica ao jovem Miles (Ferdia Walsh-Peelo) como utilizar a camisinha (tudo em uma linguagem de sinais bastante exagerada, claro!) é não menos do que ótima. O mesmo valendo para os métodos de aprendizado nada ortodoxos do Sr. V, que estabelece uma química vibrante com a protagonista.
Bem executada também na parte técnica, a obra guarda alguma semelhança com os esforços propostos pelo ótimo O Som do Silêncio (2019), inclusive nas elipses que envolvem a completa falta de "ruídos" - e há uma sequência, em especial, que não é apenas perfeita nesse sentido, já que ela também é bela ao evocar outras sensações provocadas pela música e que vão para muito além da simples expressão sonora (sim, creiam, vocês se comoverão). Já a paleta de cores é agradável e primaveril, adotando pequenos contrastes entre a enseada cinzenta da orla (e do trabalho com a pesca) e as tonalidades vivas vistas em figurinos e outros adereços que envolvem o universo das artes. E se já não bastassem todos esses predicados, o filme ainda tem como atrativo o fato de que os atores que interpretam surdos serem efetivamente surdos - o que foi uma exigência de Matlin, assim que foi escalda. Ainda é muito cedo pra falar em indicações ao Oscar - o drama venceu o Festival de Sundance. Mas é uma obra tão deliciosamente fantástica, que estamos na torcida!
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