quinta-feira, 10 de junho de 2021

Livro do Mês - Baixo Esplendor (Marçal Aquino)

Se existe uma coisa que me fascina na obra do Marçal Aquino é o fato de ele pegar aquele Brasil urbano, violento, excessivamente hostil e nos fazer ele escorrer de uma forma absurdamente fluída das páginas de seus livros. Tá, ok, eu não sou um especialista no autor - li apenas o seu trabalho anterior, o imperdível Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios. Mas pude assistir ao filme O Invasor (2002), baseada em sua publicação inaugural. É nessas obras que a gente vê escancarado o Brasil dos contrastes, dos malandros, das traições, do submundo. Do jeitinho brasileiro. De tentar fazer dar certo aquilo que, no nosso íntimo, a gente sabe que não vai dar. É assim com o fotógrafo Cauby de Eu Receberia..., que desce ao inferno seduzido pela misteriosa e sedutora Lavínia, mulher de um pastor evangélico. E é dessa forma que ocorre com o agente de Inteligência Miguel, protagonista de Baixo Esplendor, que é designado para se infiltrar em um grupo que saqueia cargas.

O pano de fundo é o da Ditadura Militar brasileira, ano de 1973. Há uma tensão palpável que está no ar, em meio ao fluxo modorrento de opalas e fuscas, que se alternam pelas avenidas das grandes capitais. Nesse sentido a violência pode vir de onde menos se espera. Ou, em tempos de censura e de opressão, até de onde se sabe que ela pode vir. Como integrante da polícia civil, Miguel se aproxima de Ingo, um alemãozão estilo "interior do Paraná" que é o cabeça do grupo que está sob investigação. O protagonista cai nas graças do chefão que não apenas apadrinha sua entrada no bando, como ainda o apresenta sua irmã, a sensualíssima Nádia. A orelha da publicação garante: "o sexo é o ponto de combustão entre ambos". O tipo de encontro com alta voltagem erótica, que se converte em uma trama passional, onde as palavras "amor" e "morte" podem se alternar na mesma frequência.

Em meio a churrascos calorosos de fim de semana e visitas ocasionais a seu sobrado improvisado, Ingo e Nádia passam a integrar o cotidiano e Miguel, enquanto a sua missão se desenrola. Só que ela tem prazo para terminar: e o agente acredita que, na hora adequada, não terá dificuldades para romper os laços afetivos formados durante a operação. Mas será mesmo? Em meio a desconfianças vindas não apenas de Olsen, o delegado chefe das operações, mas também de companheiros de bando como Elvis (o Véio) e de Moraes, um dos braços direitos de Ingo que acaba por ser acusado de subversão, o protagonista vive o seu idílio amoroso. Romântico. Caótico. Explosivo. Eventualmente cinematográfico. E que tem lado. O que faz com que qualquer deslize possa acarretar consequências fatais, nessa ficção tão novelesca quanto ágil, vigorosa.

Na realidade, esse é aquele tipo de livro difícil de largar. Uma leitura rápida, mas caudalosa. Que nos faz mergulhar na paisagem sonora, perturbadora, de um Brasil claudicante em meio aos anos de chumbo. Não são poucos os personagens secundários que estão a margem da sociedade e que ganham espaço vigoroso dentro da prosa de Aquino, que aponta detalhes como se um estudioso de criminalística fosse. Traficantes, receptadores, prostitutas, travestis, assessores políticos, apresentadoras de TV, estudantes, motoristas... é o Brasil do posto de gasolina, das rodovias, do calor do asfalto, dos caminhões com carga e sem notas, do lusco-fusco do entardecer alaranjado. Da luta pela sobrevivência. Um Brasil tão Brasil que a história poderia ser a de qualquer tempo, a de qualquer época. Mudariam as personagens, os sujeitos. A narrativa? Igualzinha aquela que a gente vê por aqui. 

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