quarta-feira, 23 de junho de 2021

Cinema - Eu Estava Em Casa, Mas... (Ich War Zuhause, Aber)

De: Angela Schanelec. Com Maren Eggert, Jakob Lassalle, Franz Rogowski e Lilith Stangenberg. Drama, Alemanha / Sérvia, 105 minutos, 2019.

Em uma recente entrevista ao diário espanhol La Vanguardía, a jornalista Magdalena Tsanis perguntou à diretora Angela Schanelec algo sobre ela ser um tanto reticente na hora de explicar os seus trabalhos. Sua resposta foi: "quando falo tenho tendência a generalizações e não gosto disso. Faço filmes, não sou política. Meu papel não é explicar, e sim fazer perguntas." E eu confesso a você que poucas vezes me vi tão instigado a pesquisar mais sobre um filme visto, ou mesmo buscar alguma informação a mais que pudesse me fazer compreender qual era o objetivo por trás da experiência fílmica, do que neste Eu Estava Em Casa, Mas... (Ich War Zuhause, Aber). Vencedora do prêmio de Direção no Festival de Berlim, a obra funciona como uma verdadeira colagem de eventos cotidianos, em que temas variados, como, maternidade, relações familiares, sensação de não pertencimento e passagem do tempo, entre outros, surgem como recortes aparentemente aleatórios, ainda que jamais vazios.

É, ao cabo, um daqueles filmes sensoriais e eu, sinceramente, sou absolutamente fascinado por experiências cinematográficas que nos provocam mais, que nos fazem pensar, que nos geram desconforto. Schanelec é, assim, uma observadora paciente do cotidiano. Dos encontros casuais e de como eles nos movem, nos transformam, nos modificam. Não por acaso a película inicia como se fosse uma obra idílica em meio a natureza. Um coelho foge de um cachorro. Para no instante seguinte ressurgir já morto, sendo estraçalhado pelos dentes de seu predador. Um outro animal aparece - um cavalo. Uma casa de aparência antiga. Um plano médio em que se veem muitas pedras. Há um bucolismo paradoxalmente acinzentado. Questionada no próprio Festival de Berlim sobre o sentido disso, ela teria respondido algo tipo: "eu sempre sonhei em filmar um coelho saltitando. Foi o que fiz aqui".

A narrativa parte de um fiapo: um menino surge caminhando em uma encruzilhada, muito sujo, ultrapassando cenários, o trânsito movimentado, até chegar a um local em que sua mãe será chamada. Ele estava perdido? Havia fugido? Por que não estava em casa? Mais adiante, os demais personagens serão inseridos por meio de pílulas: a irmã, os amigos da escola, os colegas de trabalho e o namorado da mãe. Não demorará para descobrirmos que o pai faleceu em circunstância trágicas. Era um diretor de teatro. O que explica a persistência dos jovens em encenarem uma peça improvisada de Shakespeare - Hamlet que, aliás, sabemos, tem a metalinguagem como característica. No contexto haverá, ainda, uma predileção pelo intercâmbio entre os temas urbanos e os bucólicos, a pressa e a lentidão, a leveza e a fúria, o carro e a bicicleta, a vida real e a encenação. Há um aspecto teatral na narrativa, como se a ironia da apropriação do formato servisse não apenas como crítica, mas também como seu propósito. Sim, é complexo. Mas é tão esquisito quanto bonito.

E, como não poderia deixar de ser em uma obra dessas, ela tem o seu próprio tempo de acontecer, um tipo de fluidez vagarosa, nada urgente. Em uma longa sequência, por exemplo, a protagonista Astrid (a ótima Maren Eggert) surge em meio a divagações com um senhor que lhe venderá uma bicicleta. A câmera é estática. Há uma dificuldade de comunicação - já que o seu interlocutor tem um severo problema de fala. Um tipo de encenação que ganha contornos de realidade "ampliada" quando ela volta ao local para devolver a bicicleta - ela tem um defeito que "trava" a roda. Essas estranhezas (também) técnicas, os longos planos sequência, os ângulos de câmera oblíquos - como na cena em que uma piscina surge como parte de um prédio com pé direito gigantesco -, fazem com que sejamos instigados o tempo todo. O que será que ela quer dizer? Qual o objetivo? Qual a metáfora por trás? E mesmo sem ter certeza de nada, saímos satisfeitos da sala de cinema. Uma obra de arte pode ser aberta. Talvez até deva. Fica conosco as conclusões, as percepções. Que tornam o ciclo completo.

Nota: 8,5

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