Sim, Extraordinário (Wonder) é uma obra melosa, recheada de frases clichê que parecem retiradas de palestras de autoajuda e que vai te fazer chorar de tempos em tempos durante as quase duas horas de projeção. Mas, ainda assim, é um filme muuuuito bom! Aliás, num mundo como o nosso, tão intolerante, duro e preconceituoso, a película do diretor Stephen Chbosky (do ótimo As Vantagens de Ser Invisível), vem bem a calhar. Nem que seja pra nos fazer pensar sobre o nosso comportamento no dia a dia e sobre como poderíamos ser mais empáticos e compreensivos - não apenas com quem amamos, mas também com que não conhecemos. No filme temos um simpático garotinho de nome Auggie (Jacob Trembley, o mesmo de O Quarto de Jack) que nasceu com uma severa deformação facial e que, agora aos 10 anos, está as portas de ingressar pela primeira vez numa escola regular, como qualquer outra criança.
Se para qualquer pessoa a entrada na escola já representa o ingresso em um universo nem sempre fácil - e cheio de inseguranças, descobertas e desafios - imaginem para um menino que teve de passar por quase 30 cirurgias plásticas para poder respirar, falar e enxergar (e que é capaz de se reconhecer no espelho como uma pessoa não adequada aos padrões estéticos impostos pela sociedade). Não é por acaso que Auggie passa boa parte do tempo vestindo um capacete de astronauta. Aliás, inteligentíssimo e dedicado aos estudos, Auggie sonha em ser astronauta. E em meio a divagações do tipo - que envolvem também a presença de personagens da saga Star Wars (como o Chewbacca) que aparecem para lhe "ajudar" nos momentos mais difíceis - o pequeno vai conquistando as pessoas ao seu redor. Professores, colegas, amigos, que percebem que ele é muito mais do que um simples "rosto deformado".
É claro que o processo de inclusão não é fácil e a obra poderia ser inacreditavelmente melodramática se apostasse apenas nas desventuras do pequeno no seu dia a dia na escola - ainda que os episódios de bullying envolvendo valentões sejam inevitáveis na construção de um roteiro que busca formar um arco sobre a importância de respeitarmos as diferenças. Ainda, ao dividir o filme em capítulos com os nomes de diversas personagens, Chbosky mostra para o público que todos - independentemente de aparência - terão seus dias bons, ruins, mais ou menos (bem à moda daquilo que faz à perfeição a série This Is Us). Julia Roberts como a mãe está especialmente tocante ao tentar fazer com que o mundo seja, literalmente, "gentil" com o seu pimpolho - e não são poucas as cenas em que secamos lágrimas em sua jornada quase silenciosa pelo bem-estar do filho. Já Owen Wilson faz o tradicional papel do pai legalzão e agregador, que também fará de tudo para Auggie se sinta bem em sua dura rotina.
O filme pode ser um pouco inverossímil e até utópico, dada a predisposição das pessoas em tratar com desconfiança (e até medo) o desconhecido? Sim, pode até ser. Mas ao apostar num tom mais leve e otimista - diferente do que se vê no clássico Homem Elefante (1980), de David Lynch - o diretor passa o recado não sobre como somos. Mas como DEVERÍAMOS SER. E não apenas com pessoas com deformidades ou problemas genéticos, mas também com negros, pobres, homossexuais, dependentes químicos e outras pessoas que convivem com a vulnerabilidade ou à margem da sociedade. Auggie certamente vai crescer, vai virar homem e passará por outros momentos de dor e de preconceito que, aos 10 anos, ainda não precisa se preocupar. Mas certamente não é ele que tem de mudar. Somos nós. E um filme como Extraordinário pode contribuir para que comecemos a aceitar melhor aqueles que são diferentes de nós.
Nota: 8,0
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