quarta-feira, 9 de março de 2022

Novidades em Streaming - A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth)

De: Joel Coen. Com Denzel Washington, Frances McDormand, Brendan Gleeson e Kathryn Hunter. Drama, EUA, 2021, 105 minutos.

De Orson Welles, passando por Akira Kurosawa até chegar em Roman Polanski: somente no cinema foram mais de 20 adaptações da clássica peça Macbeth, escrita no começo do século XV pelo dramaturgo William Shakespeare. Isso sem contar as centenas de vezes que a obra foi levada aos palcos por companhias de teatro mundo afora. Ou revisitada de outras maneiras, em musicais, especiais, reinterpretações ou paródias. Mas então por quê, em pleno ano de 2021, filmar mais uma vez a clássica história do ambicioso general que dá nome a obra? Há ainda o que contar? Ângulos a explorar? Atualizações a se fazer? Bom, como esta é uma das mais conhecidas tragédias de Shakespeare - é a mais curta e, admito, a única que li -, penso que nunca é demais a ideia de apresentá-la para novos públicos. Ainda mais com a direção de Joel Coen - pela primeira vez na vida sem a companhia do inseparável irmão Ethan, com quem produziu verdadeiras obras-primas modernas como Fargo (1996) e Onde Os Fracos Não Têm Vez (2007).

Só que quem imaginava encontrar nesta versão intitulada A Tragédia de Macbeth (The Tragedy of Macbeth) algo que trouxesse a assinatura dos irmãos - o que envolveria uma boa dose de excentricidade, um senso de humor cínico e um apelo ao inusitado -, talvez se decepcione um tanto. Já quem for para a sessão sem maiores expectativas, querendo apenas o "teatro em estado bruto", se deparará com uma adaptação elegante, tecnicamente soberba e que aposta em soluções narrativas que conferem personalidade ao projeto. Afinal todos sabem que uma das marcas desse texto de Shakespeare é um certo rebuscamento no linguajar - e a transcrição literal da peça pode confundir e até afastar espectadores. Mas com algumas (poucas) liberdades criativas Joel ajusta esta questões soando, em alguns momentos, até excessivamente expositivo. O que jamais se constitui como algo problemático dado o hermetismo natural do enredo, que mistura guerra, criaturas místicas, dramas familiares, traições, cadáveres, punhais, sangue e lágrimas.

Um bom exemplo deste expediente está na ótima sequência em que o general Macbeth (Denzel Washington), movido pela ganância, tem a impressão de enxergar um punhal alinhado a uma porta que está no fundo de um amplo e bastante geométrico corredor em seu castelo - e que é resultado de uma curiosa ilusão de ótica que o leva a confundir a estrutura da fechadura com uma arma. Toda essa cena serve para evidenciar as intenções do protagonista que, incitado por Lady Macbeth (Frances McDormand), resolve levar à cabo o seu plano de assassinar o Rei Duncan (Brendan Gleeson) da Escócia. Pior, montando o cenário de forma que seja possível incriminar os criados do monarca, que estão em sua companhia e que tinham participado de uma bebedeira na noite anterior. O escândalo é revelado no dia seguinte, o que faz com que outros nobres, como Lennox (Miles Anderson) e Macduff (Corey Hawkins), e o filho de Duncan, Malcolm (Harry Melling) fujam de Inverness, já que desconfiam das atitudes do ambicioso anfitrião.

E, bom, tudo isso nos é apresentado com artifícios técnicos que ampliam a sensação de tensão, caso da requintada fotografia em preto e branco e do desenho de produção que recria castelos, estradas, charnecas e outras estruturas, optando por uma ambientação eventualmente fantástica, numa espécie de flerte com o cinema de Ingmar Bergman e com o expressionismo alemão - e, não por acaso, Bruno Delbonnel e Stefan Decbant foram lembrados entre os indicados ao Oscar desse ano (assim como Washington, que concorre na categoria Ator). Classuda, cheia de contrastes envolvendo luzes e sombras, com uma montagem que possibilita a rápida compreensão dos saltos temporais e mesmo de suas rimas (sonoras e visuais), a obra centra a sua força no poderoso texto que, pouco mexido, permite que os atores centrais brilhem - e a forma como Macbeth mergulha em suas alucinações, no limite entre o pesadelo sombrio e a realidade lúgubre e abstrata, é um espetáculo a parte, que certamente honra a tradição desse tipo de adaptação. Aliás, sobre interpretação, vale ainda uma menção à Kathryn Hunter, que faz uma entrega física impressionante no papel das feiticeiras (e talvez não fosse surpresa uma lembrança como Coadjuvante no Oscar). No mais, o filme tá disponível na Apple TV+. Vale conferir.

Nota: 8,0

 

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