terça-feira, 15 de março de 2022

Lasquinha do Bernardo - A Dicotomia do Futebol e da Educação

Todo brasileiro é especialista em futebol e/ou educação. Adoramos sofrer e chorar pelo nosso time, paramos o país durante a Copa do Mundo e, lógico, nos tornamos autoridades (in)certificadas quando o assunto é arbitragem. Basta abrir sua rede social favorita e lá estão os comentários mais embasados envolvendo técnica e performance, divergências conceituais, teses homéricas sobre times reativos, linhas altas e baixas e sobre a capacidade do extrema esquerda em quebrar linhas e propor alternativas ao ataque em profundidade. Além disso, nutrimos um ódio fervoroso contra qualquer treinador que não enxergue a obviedade natural da titularidade dos nossos onze iniciais. Mas, apesar do interesse e fervor, o brasileiro médio é apenas um teórico-amador das quatro linhas. 

Já, na educação, os papéis se invertem muito por conta dos nossos anos de experiência prático-profissionais. Afinal, vivemos boa parte da infância e adolescência em uma sala de aula. Os noventa e poucos minutos diários do fã mais convicto de futebol não fazem frente às quatro ou cinco horas diárias dos alunos. É um fato, há milhares de frequentadores profissionais de aulas aposentados com grande conhecimento de causa. Apesar da antítese (pouquíssimos foram/são atletas e quase todos foram/são alunos), uma semelhança aproxima os dois universos: a falácia da dicotomia. No jogo, se perdeu, é ruim. Se ganhou, é bom. Somos sempre nós contra eles. Na escola, nota baixa, é burro. Notas altas, ótimo aluno. O vice deveria ter se esforçado mais. O aluno que não entendeu o conteúdo precisa estudar mais. Tão simples, fácil e prático quanto chutar uma bola. 

 

 

É justamente por sermos parte deste universo dualista/lugar-comum de alta performance, que o filme Entre os Muros da Escola (Entre Les Murs), vencedor da Palma de Ouro em 2008, adaptação do livro homônimo de François Bégaudeau, escritor e protagonista, encaixa tão bem. São raras as obras que retratam a sala de aula de maneira tão honesta e realista. Deixando de lado toda a romantização dos professores, que passam longe dos “guerreiros inspiradores” da maioria das representações à la Sociedade dos Poetas Mortos (1990), o filme francês apresenta personagens radicalmente verossímeis em situações corriqueiras das escolas: adolescentes gritando, dormindo, desinteressados e professores cansados, estressados e no limite da paciência. É o anticlichê dos filmes sobre educação e, por isso, beira ao documentário e não à ficção. Absolutamente naturalista, a narrativa se apresenta através de uma câmera que observa os alunos e professores no seu habitat natural, com todos os seus conflitos éticos e sociais, como racismo, desigualdade e imigração, e com as famosas discussões inflamadas sobre regras e disciplina entre alunos e professores. É de desconforto o sentimento que aflora à medida em que aquele retrato fiel vai se desenhando dentro de um ambiente escolar efervescente. Passando longe do senso comum, a obra é, antes, um choque de realidade, ninguém está certo ou errado, todos ali estão apenas sobrevivendo. 

E este peso da realidade que é apresentado no filme acaba sempre se impondo no mundo concreto da educação e também no futebol. Inclusive na cena final (não é spoiler!), em que os professores e alunos disputam uma partida. Entre os Muros da Escola é necessário porque reflete justamente a natural obviedade dos documentários: não há heróis ou vilões, somos todos selvagens, adultos ou adolescentes, animalizados pelas nossas paixões. Na vida sempre buscamos soluções simples, demite-se o treinador e o professor, afasta-se o aluno e o jogador. Ou deixa-se tudo como está, ou muda-se tudo, completamente. Amadores ou profissionais, teóricos ou práticos, ainda carregamos uma semelhança ainda mais clara e cristalina: torcemos muito para que dê tudo certo. 


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