De: Aly Muritiba. Com Antonio Saboia, Pedro Fasanaro, Laila Garin e Zezita Matos. Drama, Brasil / Portugal, 2021, 120 minutos.
Ao cabo, trata-se de uma obra que aproxima e afasta, que encontra e aparta. E que reflete à perfeição os tempos que vivemos - em que muitos se consolam, convenientemente, com desconhecidos que estão do outro lado da tela do celular ou nas redes sociais. Como policial, Daniel é o estereótipo do "homem de bem" que cuida de seu pai em uma casa simples - e que é repleta de imagens sacras, de santos. Quando sua irmã revela estar com uma namorada nova, o protagonista fica claramente incomodado. E é dessa maneira bastante sutil que Muritiba vai nos dando pistas do que pode ter acontecido. Daniel está para ser julgado. Uma agressão a um jovem? E o que motivaria o gesso em seu braço? E por quê ele resolve, involuntariamente, fugir de onde está? Sara é uma desculpa? Ou é nela que ele projeta a possível felicidade em meio a esse caos? Nesse sentido, o protagonista, uma figura silenciosa, observadora, tateia pelo deserto. Sem muita certeza de alcançará o oásis.
Por outro lado, Sara, uma jovem trans é, na realidade, Robson, empregado de uma empresa que transporta frutas e hortaliças. Morando com a avó (Zezita matos), Robson vive o seu idílio nas noites da cidade de Sobradinho onde, às escondidas, se converte na jovem. E é justamente por isso que quando Daniel chega ao município baiano, ninguém parece conhecer Sara. Ela é uma não pessoa em meio a um mundo de preconceitos e intolerância. E a expectativa gerada pelo possível encontro se amplia conforme a narrativa avança e o espectador se familiariza com a natureza dos dois protagonistas - figuras de personalidade oposta, mas muito próximas na constante busca pela sensação de pertencimento. "Eu queria fazer um filme de tolerância, por isso há esses dois personagens tão distintos e, ao mesmo tempo, fundamentais para que o espectador goste tanto de ambos que torça, no final, para não dar nada errado", afirmou Muritiba ao site Cinema Com Rapadura.
E talvez isso explique um certo otimismo com que a obra é conduzida. A gente torce para que essas duas pessoas tão distintas possam estabelecer um vínculo que as proteja e alguma forma, do mundo ao redor. Há uma bela passagem em que Daniel confronta Sara ao descobrir seu "segredo", dizendo que a jovem teria mentido pra ele. Ao que Sara lembra o homem de que "quem está mentindo pra ele é ele mesmo". Especialmente ao tentar fugir do que ele é. Como policial, como homem supostamente hétero e, invariavelmente, temente à Deus. E essa familiaridade que ao mesmo tempo distancia é justamente o que gera a beleza do terço final - quando Daniel percebe que, talvez, a única fuga que lhe acolha será para os braços de Sara. É um filme bonito, elegante, que não tem pressa em acontecer. E que mostra que o amor pode ser definido por outras variáveis. Premiado no Festival de Veneza, Deserto Particular era o nosso filme no Oscar desse ano. Talvez tivesse chegado lá se a campanha não fosse tão desastrosa. Porque beleza e consistência não faltaram
Nota: 9,0
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