segunda-feira, 21 de março de 2022

Novidades em Streaming - Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye)

De: Michael Showalter. Com Jessica Chastain, Andrew Garfield, Cherry Jones e Vincent D'Onofrio. Drama, EUA, 2021, 126 minutos.

Em uma das tantas passagens marcantes de Os Olhos de Tammy Faye (The Eyes of Tammy Faye), a Tammy Faye do título (Jessica Chastain, em papel que talvez lhe dê o Oscar) entrevista, em seu programa de TV, um paciente com AIDS. Na realidade um ex-ministro cristão, gay, em uma discussão bastante franca sobre homossexualidade, sobre sair do armário, sobre a doença e sobre como os cristãos de verdade deveriam amar a todos. Abraçar as minorias. Orar por elas. Ter compaixão. Dizer que se importam. Tammy encerra o segmento bastante emocionada, enquanto nos bastidores do The PTL Club - uma espécie de programa de notícias evangélicas, que misturava entretenimento cristão com valores familiares caseiros -, o bicho pegava, com os donos do canal irritadíssimos com a ousadia de Tammy. Discutir um tema tabu como a compaixão pela comunidade LGBT, em canal voltado às famílias conservadoras dos Estados Unidos, e visto por milhões de pessoas nos agora distantes anos 80? Um absurdo!

Ocorre que Tammy Faye não era uma figura óbvia, como se esperaria no meio evangélico. Ousada, progressista - ao menos naquele contexto -, acreditava no valor sentimental e educativo das histórias que levava ao ar. Sem pudor, era capaz de discutir implantes penianos com a mesma naturalidade com que debatia temas relacionados à Igreja e à pregação. Só que essa liberdade teve, de alguma forma, um preço. Que foi pago não apenas com a perseguição dos grandes chefões do canal de TV onde a protagonista pregava mas também a seu ex-marido, o pastor Jim Bakker (Andrew Garfield), que utilizou a sua capacidade argumentativa e de persuasão para atrair milhares de fiéis que depositaram - aliás, literalmente "depositaram" -, a sua confiança no casal. O resultado? Os lucros obtidos com falsas doações para a Igreja sob promessa de salvação, foram utilizados para a manutenção de uma vida de pompa e de luxos, com o casal sendo acusado de crimes sexuais, corrupção, fraudes contábeis e outros.


Por baixo do manto de um discurso que pregava a prosperidade, a aceitação e o amor, o casal se aproveitou de construções megalomaníacas - como o Heritage USA, uma espécie de Disneylândia cristã localizada na Carolina do Sul -, para desviar verbas milionárias. Outras acusações, como um suposto estupro envolvendo Jim e uma secretária de sua Igreja vieram à tona, causando escândalo na imprensa e levando o pastor à prisão. Uma vida controversa, que pouco dialoga com aquilo que se vê na Bíblia. E que mostram que o charlatanismo religioso, que abusa da fé de um público bastante cativo, não é exclusividade do Brasil. Costurada por uma série de saltos no tempo, a obra do diretor Michael Showalter (do ótimo Doentes de Amor, de 2017) volta ao passado para nos mostrar como Jim e Tammy se conheceram (no seio das comunidades conservadoras do Sul dos Estados Unidos) e como se daria sua evolução até chegarem à TV e construírem seu império.

Ao cabo, trata-se de uma excelente cinebiografia, em que personalidades cheias de nuances colidem, em meio a um projeto ambicioso de poder, que culminaria na apresentação de um talk show em horário nobre. Retratada como uma figura oxigenada e disposta a confrontar o machismo, a misoginia e o contexto patriarcal em que vivia, Tammy também é vista como uma persona submissa que, para a manutenção de excentricidades milionárias, não hesitaria a viver uma vida dupla - na frente das telas era capaz de se converter em uma pessoa fragilizada, que precisava da ajuda de sua audiência. E, inegavelmente, Jessica Chastain entrega um grande trabalho, de ampla complexidade, estando quase irreconhecível por baixo da pesada maquiagem, que era uma marca registrada da exótica Tammy original. Sim, pode haver furos e até uma certa romantização do segmento. Mas trata-se de uma experiência envolvente, uma história pouco conhecida por aqui e que merece ser descoberta. Especialmente pelo paralelo que se pode estabelecer.
 
Nota: 8,0


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