Dos candidatos ao Oscar 2016 de melhor filme temos pelo menos duas obras extremamente impactantes para o espectador. Se em O Regresso vemos Leonardo DiCaprio passando horrores em busca por vingança e sobrevivência, neste estupendo O Quarto de Jack (Room) temos pelo menos duas personagens enfrentando situações limite pelas quais torceremos intensamente durante as quase duas horas de projeção. Dirigido pelo irlandês Lenny Abrahamson (do elogiado Frank), o filme conta a história da Mãe (Larson) que, sequestrada e há 7 anos vivendo trancada em um quarto minúsculo (o Room, do título em inglês) possui um filho de 5 anos de idade, Jack (Tremblay), fruto dos constantes abusos perpetrados pelo seu sequestrador "Old" Nick (Bridgers).
Tendo no filho a única companhia para sua vida em cativeiro, Ma ("mãe" em inglês, como é chamada por Jack) tenta de todas as maneiras tornar o ambiente um lugar menos insuportável de se viver. Não é a toa que, ao enxergarmos a criança, temos a sensação de que sua existência é aparentemente normal - e feliz. Claro, tendo em conta que o menino conhece apenas os objetos ali presentes (o tapete, as plantas, o abajur) e os únicos contatos "humanos" de Jack são os desenhos animados que assiste pela televisão, sua mãe e "Old" Nick. Este último, em especial, que aparece de tempos em tempos trazendo comida e alguns "presentes", sendo considerado pela criança quase como um "bem feitor" - em um artifício criado pela Mãe afim de evitar o sofrimento de seu filho, que é instruído a se trancar dentro do armário durante as visitas de seu algoz que a violenta constantemente. Para completar o ambiente claustrofóbico, o único acesso ao meio externo dá-se através de uma claraboia, cujo céu azul através do vidro torna-se um sonho distante a ser perseguido.
É óbvio que nada disso funcionaria se não fossem as soberbas atuações. Tremblay está impressionante como Jack (e merecia, juntamente com outra criança, Abraham Attah - de Beasts of No Nation - uma indicação ao Oscar deste ano), passando toda a doçura e vulnerabilidade de seu personagem que, mesmo nascido em circunstâncias indesejáveis, desperta na Mãe todo seu instinto protetor, além do amor incondicional inerente, o que torna as decisões da personagem interpretada brilhantemente por Larson (que só não ganhará o Oscar este ano se o mundo terminar antes) na transição para o segundo ato ainda mais difíceis e questionáveis - embora justificáveis. A atuação de Larson, por sinal, tem múltiplas nuances, passando de momentos de ternura para outros de raiva e o mais puro desespero, em um trabalho que ficará na mente de todos para sempre. Mas não é só isso: desde a edição e a trilha sonora, tudo funciona de modo complementar e orgânico à obra - e o exemplo máximo é a cena de transição entre os dois atos, que é uma das coisas mais aterrorizantes e tensas que já tive a lembrança de experimentar na telona (quem assistir saberá do que estou falando).
Sem revelar detalhes maiores da trama (se você não assistiu ao trailer do filme recomendo parar a leitura por aqui, já que o mesmo revela fatos importantes), podemos afirmar que o alcance temático e de significado da obra até o seu término é ainda mais abrangente, comovente, pungente e tocante. Ao mostrar as consequências do estresse pós-traumático, o alcance e a força do amor materno, a reação da família frente ao ocorrido (com o destaque para a atuação de Allen) e os desafios em recomeçar uma nova vida, O Quarto de Jack alcança um status de sublime ao demonstrar paradoxalmente os diversos lados da natureza humana - simultaneamente capaz dos atos mais autodestrutivos e belos, porém com uma inesgotável capacidade de enfrentar as dores e descaminhos da vida e insistir na busca de felicidade e afeto compartilhado com o próximo - o que deixa a obra ao lado de filmes como Amor (de Michael Haneke) e Ela (de Spike Jonze) na categoria de filmes excepcionais, porém que não pretendo voltar tão cedo a revisitar por ser uma experiência emocionalmente devastadora e impactante.
Nota: 9,5
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