quarta-feira, 30 de março de 2022

Cinema - A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Manneske)

De: Joachim Trier. Com Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie e Herbert Nordrum. Drama / Comédia romântica, Noruega / Suécia / França / Dinamarca, 2021, 128 minutos.

Acho que um dos aspectos mais interessantes de A Pior Pessoa do Mundo (Verdens Verste Manneske) - o indicado da Noruega ao Oscar - é a forma como nos identificamos com a protagonista. Julie (Renate Reinsve) é, afinal, aquela pessoa caótica, indecisa, imatura e cheia de incertezas a respeito do futuro - como costumam ser os jovens que ainda não chegaram aos trinta. Quem nunca, né? O filme do diretor Joachim Trier já inicia com a jovem divagando sobre qual profissão ela gostaria de seguir, saltando da medicina, passando pela psicologia - ela se interessa muito mais pela "alma do que pelo corpo" -, até chegar a fotografia. Nos relacionamentos, a desordem é semelhante: ela vai de um casinho para outro e mesmo quando conhece o quadrinista Aksel (Anders Danielsen Lie), que parece a opção ideal por ser um sujeito racional - talvez por ser quinze anos mais velho -, ela não hesita em, ali adiante, dispensá-lo.

Essa fragmentação dos relacionamentos, que o pensador Zygmunt Bauman chamaria de "modernidade líquida" - que nada mais é do que a "crescente convicção de que a mudança é a única coisa permanente, ao passo que a incerteza é a única certeza" -, parece ser o que rege parte da narrativa. Dividido em doze capítulos que contam com títulos meio autoexplicativos como "sexo oral na era #metoo", "o circulo narcisista de Julie", "trapaça" e "momento ruim", o filme nos conduz em uma espiral de incertezas em que, qualquer que seja a decisão, será inevitável o arrependimento. Quando conhece Aksel, por exemplo, Julie se encanta, admira seu trabalho, sua personalidade. Os diálogos entre os dois são leves como o amor deve ser. Mas o artista gráfico sonha em ser pai e as pressões familiares pesam, são cíclicas, com a protagonista tendo de reciclar suas desculpas o que, invariavelmente, os levará à exaustão. 


Pode ser bobo e imaturo não persistir? Pode. Mas para Trier, o que acompanhamos são apenas humanos. Humanos, aliás, demasiadamente humanos. Com suas falhas, medos, anseios. Todos, afinal querem a felicidade. Almejam ela. Em meio a grandes e pequenos acontecimentos. Mas Bauman mesmo já dizia que nesses tempos líquidos - e perdão por citar um autor tão batido, mas é que o tema pede - "nos mantemos no amor enquanto ele nos traz satisfação, para depois procurar um outro que nos gere ainda mais satisfação". Duro. Com uma sinceridade dolorosa. Mas honesto. Julie acredita não estar plenamente feliz com Aksel e se encanta, em uma dessas noites aleatórias, por Elvind (Herbert Nordrum). Que a corteja, diz o que ela quer, a deseja. Esse episódio martela na cabeça de Julie. E poderá ser o estopim para uma futura traição ao primeiro sinal de marasmo com Aksel. Julie, lembremos, tem menos de trinta. Quer tudo ao mesmo tempo. Medicina e fotografia. Aksel e Elvind.

Costurada por meio de instantes leves - como na discussão familiar sobre mansplaining e menstruação -, com outros mais comoventes (a parte em que Julie anuncia a Aksel que o está abandonando é desoladora), a obra flui com um naturalismo impressionante, sendo sempre possível acreditar na verdade daquilo que acompanhamos. A vida, afinal, é altos e baixos, conquistas e perdas, quedas e recomeços e todos ali parecem saber disso. Especialmente quando a nostalgia bate na hora de olhar pra trás. Tecnicamente elegante, o filme se aproveita se planos sequência e ângulos de câmera não tão óbvios, que culminam em uma linda sequência em que o mundo para (como se pudéssemos efetivamente pará-lo, né?), para a consolidação dos desejos que estão escondidos. Metafórico, inesperado, meio torto, o filme nunca é óbvio: os desvios de rota são constantes. E talvez seja por isso que o encanto é permanente. Não fosse Drive My Car e talvez esse fosse o Filme Internacional do ano no Oscar. Que merecia, merecia.

Nota: 9,0


Nenhum comentário:

Postar um comentário