De: Kenneth Branagh. Com Jude Hill, Caitriona Balfe, Judi Dench, Ciarán Hinds e Jamie Dornan. Drama, Reino Unido, 2021, 97 minutos.
De forma semelhante às obras citadas no primeiro parágrafo, aqui a inocência infantil não leva nem cinco minutos para começar a ser deturpada: enquanto Buddy brinca na rua, a sua mãe (Caitriona Balfe) o chama para o almoço. A câmera flana entre os transeuntes, o cotidiano normal de qualquer pequena cidade acontece em meio às rotinas, as conversas, o trabalho. Só que tudo muda quando um grupo de protestantes, em marcha, passa a atacar a todos por ali. Correria, tentativas de se proteger, explosões, gritos, confusão, caos. A disputa que assistimos como pano de fundo é uma combinação de fatores étnicos, políticos, econômicos, religiosos e sociais que surgiram ainda na Idade Média e que se estenderia até quase os dias atuais. Aliás, transformada em pagodinho que anima a festa de final de ano da imobiliária chique da pequena cidade, a música Sunday Bloody Sunday, do U2, versa justamente sobre o Domingo Sangrento, triste episódio em que tropas britânicas assassinariam católicos que realizavam um protesto em 1972.
E por mais inexplicável que essa guerra, como muitas outras, seja, Branagh está pouco interessado em explicar ao espectador as motivações de parte a parte e sim em nos mostrar como se tenta sobreviver em uma zona de conflito. Barricadas, guardas, toques de recolher e o medo cotidiano passam a fazer parte da rotina de Buddy e de sua família - que, a despeito de serem protestantes, também são ameaçados, já que residem em região de católicos. Nas celebrações o clima é de terrorismo - há uma sequência tensa e divertida envolvendo um exaltado pastor que demoniza o lado contrário (e que finaliza o sermão pedindo dinheiro). O dia a dia é afetado como um todo e o Buddy encontra no convívio com os amorosos avós (vividos de forma carinhosa por Judi Dench e Ciarán Hinds) um ponto de apoio. Já o pai do menino (Jamie Dornan) sonha com um futuro em algum outro local: menos perigoso, menos tenso. E a mensagem, ao cabo, não deixa de ser até meio óbvia: é preciso (ou necessário) respeitar as diferenças. A guerra, afinal, não leva a nada.
Executado de forma soberba no que diz respeito à parte técnica - a fotografia em preto e branco ajuda a condicionar o nosso olhar para o começo dos anos 70 (que nem é tão distante assim, mas parece), ao mesmo tempo em que as músicas de Van Morrison costuram a narrativa -, a obra também alterna momentos mais afetuosos, com outros de maior impacto. E muitos desses instantes podem ser encontrados em uma mesma sequência, caso do momento em que o avô de Buddy explica ao pequeno que este sempre saberá onde encontra-lo, caso algum dia deixem a Irlanda do Norte. É trágico mas bonito, duro, funcionando ainda como uma ode à persistência. Uma história de amadurecimento, que culmina em uma linda sequência em que os protagonistas cantam Everlasting Love, música de Buzz Cason e Mac Gayden, que ficaria famosa na voz de Bono Vox. E que ainda premia o espectador com uma série de citações culturais - particularmente gosto da sequência em que os jovens assistem a O Homem Que Matou o Facínora (1972). Com sete indicações ao Oscar - incluindo Melhor Filme - Belfast entra na cota dos filmes com pegada independente, que fazem boa carreira em festivais. E que costumam agradar o público pelo seu indefectível otimismo, apesar de tudo.
Nota: 8,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário