De: Enrico Casarosa. Com Jacob Tremblay, Emma Berman, Jack Dylan Grazer e Sacha Baron Cohen. Animação / Aventura, EUA, 2021, 95 minutos.
Lançada pela Pixar, a animação Luca (Luca) é um bom exemplo de como menos pode ser mais. Ou de como uma ideia bastante simples pode render uma experiência formidável. Em geral é possível afirmar que os trabalhos do estúdio seguem um certo padrão no que diz respeito às suas mensagens de aceitação, de respeito às diferenças ou de persistência diante das dificuldades. Mas o que vale, em muitos casos, é o caminho que percorremos ao lado dos personagens que acompanhamos. Se eles forem carismáticos, se nos arrancarem algumas risadas e se nos fizerem derrubar algumas lágrimas já é meio caminho andado. Aqui tudo isso acontece e com sobras: o protagonista (voz de Jacob Tremblay de O Quarto de Jack e Extraordinário) é uma espécie de monstro marinho que vive com a sua preocupada família abaixo da superfície da água. Só que ele sonha com mais do que a rotina ordinária que está submetido e, num episódio meio ao acaso, acaba por saber que existe todo um mundo fora da água.
Numa alegoria que remete ao Mito da Caverna, de Platão, Luca descobre que, fora das águas, ele muda de aparência: sai a figura meio réptil, meio peixe, entra o humano. Ao encostar novamente na água, ele retoma as características monstruosas. E lidar com esse contraste será justamente um dos desafios, já que, em terra firme, o protagonista descobre que os moradores de um pequeno povoado da Riviera Italiana, onde se passa a trama, estão caçando os monstros marinhos, que recebem o apelido de underdogs (um tipo de gíria para excluídos ou desajustados). Só que ao fazer amizade com um outro monstro marinho de nome Alberto (Jack Dylan Grazer), Luca percebe a oportunidade de explorar o mundo - o que a dupla poderá fazer a bordo de uma vespa (sim, a moto é uma espécie de premiação para um campeonato de triatlo que rolará no local). Na Riviera eles se aliam à Giulia (Emma Berman), uma nativa que não sabe que seus novos amigos são monstros marinhos. E, bom, não é preciso ser nenhum adivinho pra saber que essas circunstâncias darão todo o sabor ao filme.
Aliás, um "sabor" quase palpável já que, como a narrativa se desenrola em terras italianas, não são poucas às referências à cultura do povo - sua língua, costumes, gastronomia, arquitetura, paisagens -, o que rende boas piadas e instantes genuinamente engraçados (e eu, particularmente, gosto da forma como é retratado o pai de Giulia, aquele típico gringão taciturno e de bom coração, que faz miséria na cozinha e no preparo dos mais variados tipos de massas). Intercalando uma rotina que envolve o retorno para o ambiente marítimo - para que seus pais não fiquem preocupados -, com a existência do lado de fora, Luca e Alberto começam a treinar para o campeonato, ao mesmo tempo em que se esforçam para não serem desmascarados em meio aos humanos. A chegada de um tio psicólogo para tentar demover Luca de viver na superfície - um excêntrico ser abissal vivido por Sacha Baron Cohen - também é um bom momento da trama.
Um dos cinco indicados ao Oscar de Animação, o filme é daqueles que não apresenta um vilão mais palpável - ainda que Ercole (Saverio Raimundo) se esforce nesse sentido. O desafio aqui consiste em superar as diferenças, os preconceitos ou a intolerância entre povos - e em tempos de guerra é simplesmente impossível não se emocionar com o terço final. A mensagem é óbvia e, se for preciso, esfrega-se ela na cara de quem assiste. No mais, Luca é divertido, direto e tem aquele traço típico das animações da Pixar, não fazendo um grande esforço para ser mais do que é. Para os pequenos será um achado. Para os adultos uma oportunidade de voltar o olhar para os temas ambientais, sobre espécies em extinção e sobre a necessidade urgente de preservar a natureza. Sim, essa intenção subjacente pode não ser tão clara assim. Mas a alegoria também nos lembra de que o ser humano não está sozinho nesse planeta. Independentemente do ecossistema que ele está e de quem o habite. Vale a reflexão.
Nota: 8,5
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