sexta-feira, 4 de março de 2022

Cine Baú - O Poderoso Chefão (The Godfather)

De: Francis Ford Coppola. Com Marlon Brando, Al Pacino, James Caan, Diane Keaton e Robert Duvall. Drama / Policial, EUA, 1972, 177 minutos.

Acho que é possível afirmar, sem muita chance de erro, que é mais ou menos lá por meia hora de O Poderoso Chefão (The Godfather) que a mitologia da Família Corlone, bem como o modo como operam seus "negócios", se estabelece. Don Vito (Marlon Brando) está insatisfeito com o fato de o cineasta Jack Woltz (John Marley) ter negado um papel de destaque a seu apadrinhado Johnny Fontane (Al Martino). Para tentar solucionar a questão, o chefão envia à Los Angeles o seu "filho"/advogado Tom Hagen (Robert Duvall). O jantar é pacífico, amistoso. Jack e Tom andam pela propriedade, conversam, com o segundo tentando dissuadir o primeiro a voltar atrás em sua decisão. Sem sucesso. A noite cai, o dia amanhece. O tom é plácido, os grilos cantam em meio a calmaria do pátio. Os movimentos de câmera sugerem tranquilidade, enquanto no quarto Jack está dormindo. Só que algo o desperta. Algo que ele não consegue distinguir com precisão. Ele está banhado em sangue. Ao puxar as cobertas, a revelação: a cabeça do seu valioso cavalo Khartum, ali jaz. É uma sequência assombrosa, apavorante, magnética. Assim como são os gritos do cineasta. Johnny, a gente nem precisa dizer, obtém o papel. E, nós, espectadores, temos um filme. Um clássico. Uma verdadeira ópera cinematográfica.

Aliás, qualquer expressão que se utilize pra definir a obra-prima de Francis Ford Coppola - construída a partir do livro de Mario Puzo -, não será suficiente. A propósito, o que ainda não foi dito sobre o filme que completa 50 anos agora em 2022? Trata-se ao cabo da experiência cinematográfica completa que nos apresenta aos Corleone como um organismo sólido, que procura marcar território enquanto preserva e perpetua seu nome, sua identidade. Toda a sequência inicial, com Vito utilizando o casamento de sua filha Connie (Taila Shire) para solucionar uma série de pequenas questões em seu escritório, dá conta de como colidem esses universos. Por sinal o patriarca quase nem consegue aproveitar a festa em si, já que há uma verdadeira fila de pessoas que lhe aguardam algum conselho, algum favor, sempre concedido a partir de um código de ética próprio, que vai no limite entre o respeito, a honra, a religião e a própria família. Um tipo de troca em que, em tese, todos ganham. Padrinho e apadrinhados.

Só que a coisa começa a desandar quando Don Vito recebe um representante do tráfico de drogas local - um mercado promissor, em expansão. Diferentemente das outras cinco famílias de mafiosos com quem realiza suas negociações, o protagonista não está interessado em levar adiante esse tipo de comércio (os negócios ligados aos jogos de azar sempre foram o seu campo de atuação). O que significa também reduzir a influência política e policial que poderia facilitar a chegada dos narcóticos á cidade. É a deixa para que Corleone seja traído em uma emboscada - aliás, a cena é inesquecível, com o chefão sendo alvejado por tiros enquanto compra frutas e verduras na feira. Bom, não demora para que uma sequência de atentados, executadas de parte a parte, transforme a vida dos mafiosos em um jogo permanente de vingança. A coisa vai mal e fica ainda pior quando Sonny (James Caan), um dos filhos, é executado. É a deixa para que Michael Corleone (Al Pacino), um veterano de guerra, retorne ao convívio da família, na intenção de colocar a casa em ordem.

Com um sem fim de cenas icônicas - além da já citada do "cavalo", há aquela em que o capanga Luca Brasi (Lenny Montana) é morto em um restaurante que serve peixes (com o comunicado do assassinato sendo feito de forma excêntrica e até divertida), além da bela sequência final, com uma rima visual arrebatadora envolvendo o batismo não apenas do sobrinho de Michael, mas dele mesmo -, tudo é executado de forma elegante, com uma fotografia cinza amarelada (daquelas típicas dos anos 70), uma trilha sonora memorável e uma composição de quadros nunca óbvia. Até os figurinos, se alternando entre o sóbrio e o colorido - algo que pode ser percebido especificamente em Kay Adams (Diane Keaton) - são cheios de simbolismos, bem como os diálogos ambíguos ("farei uma proposta que ele não pode recusar") e o roteiro bem costurado. Complexo, monumental, iconoclástico, o filme receberia um sem fim de prêmios, entre eles o Oscar de Melhor Filme em 1973. Além de figurar em dezenas de listas de melhores, a obra inaugural pavimentaria o caminho para O Poderoso Chefão 2 (1974) e 3 (1991), que converteriam esta em uma das maiores trilogias da história do cinema.

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