quinta-feira, 3 de março de 2022

Pérolas da Netflix - Peepli Ao Vivo (Peepli Live)

De: Anusha Rizvi. Com Omkar Das Manikpuri, Raghubir Yadav, Shalini Vatsa e Farrukh Jafar. Comédia dramática, Índia, 2010, 96 minutos.

Existe um dado meio chocante da União Nacional de Camponeses da Índia que estima que, desde 1995, cerca de 400 mil agricultores cometeram suicídio no País - uma crise sem precedentes que é resultado do fracasso de políticas neoliberais, privatizações e ausência de qualquer tipo de regulação do setor pelo Estado. Endividados, os produtores ficam à mercê de grandes corporações e de políticas públicas escassas que possam ajudar a solucionar a questão. E, por mais sério que seja o assunto, não deixa de ser curioso notar como a diretora Anusha Rizvi conseguiu, de forma meio paradoxal, utilizar um tom bem humorado no divertido e dramático Peepli Ao Vivo (Peepli Live), filme que está disponível na Netflix - e que foi o enviado ao Oscar pela Índia, lá em 2010.

Na trama, a família Manikpuri está em crise por não conseguir pagar a hipoteca da pequena propriedade que mantém em um vilarejo do interior da Índia. Ao tentar pedir algum tipo de socorro para lideranças locais, os irmãos Natha (Omkar Das Manikpuri) e Budhia (Raghubir Yadav) descobrem que existe um novo programa de Governo que oferece 100 mil rúpias para as famílias de fazendeiros que tenham cometido suicídio. Com a intenção de recuperar a propriedade, Natha se oferece para tirar a própria vida - para desespero da esposa Dhani (Shalini Vatsa) e da mãe (Farrukh Jafar). Bom, não demora para que a notícia passe a circular pelo vilarejo, atraindo a atenção não apenas de políticos, mas de outros poderosos, além da mídia sensacionalista.


Aliás, a chegada da imprensa ao local é o que converte o episódio em um verdadeiro circo, com cinegrafistas, repórteres e outros circulando pela região, na busca pela notícia mais impactante, pela revelação mais chocante, por algum tipo de "furo" que possa ressignificar aquilo tudo. Nesse sentido, a diretora jamais pesa a mão ao denunciar o abuso sofrido pelos agricultores de uma forma leve, quase debochada - como no caso da sequência em que um jornalista faz uma longa digressão a respeito da forma e do conteúdo das fezes de Natha (que poderiam ser um indicativo de como ele estava sob severo estresse, o que poderia explicar seu comportamento). O mesmo valendo para a mesquinharia do descaso político, com as autoridades municipais, estaduais e federais jogando uma no colo da outra a responsabilidade pela morte de produtores.

À moda de um A Montanha dos Sete Abutres (1951) da Nova Bollywood, o filme converte a região de Peepli em um verdadeiro centro de debates que se intensifica às vésperas das eleições (com cada interessado tentando utilizar o desastre em benefício próprio, sem nunca pensar efetivamente no bem-estar do povo). Com ótima trilha sonora - músicas evocativas como Desh, de Raman Ji pontuam a narrativa e contribuem para contar a história - e cenários arenosos e desoladores, a obra jamais deixa de abandonar o otimismo, ainda que nos deparemos com uma Índia absurdamente desigual e miserável. Ao final, em meio a tantas incertezas, fica o sentimento de que, por mais que se dê algum tipo de visibilidade para o tema, ele dificilmente será solucionado. Uma pena.


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