sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Disco da Semana - Father John Misty (I Love You, Honeybear)

Se existe uma palavra que resume bem o trabalho do ex-baterista do Fleet Foxes Joshua Tillman - ou Father John Misty, como é conhecida a sua persona musical - é nostalgia. Ao ouvir as fabulosas canções de I Love You, Honeybear, seu segundo álbum - e já candidato a estar entre os melhores do ano - a impressão, em alguns casos, é de se estar fazendo parte de algum livro da época da literatura beat, talvez de John Fante ou Jack Kerouac. Em outras situações, pensamos estar em meio a algum filme de faroeste do John Ford ou do Sergio Leone, com uma trilha de estilo folk ou country tocada ao fundo. Em outros casos, somos jogados para a noite de uma cidade grande e tecnológica, que, como numa espécie de paradoxo, toca Vaya Con Dios ou qualquer outra banda oitentista, em algum bar sujo e decadente.

Pode ser que, em algumas dessas circunstâncias, todas essas referências se misturem, como se estivéssemos em algum filme de Quentin Tarantino, com trilha sonora de Elton John. E o mais legal de tudo isso: ainda que viajemos no tempo enquanto escutamos cada uma das músicas dessa preciosidade de pouco mais de 45 minutos, nunca nos sentimos diante de algo repetitivo ou pouco inovador. Father John Misty nos apresenta um arcabouço de referências, provavelmente parte de sua formação musical, que sim, nos faz viajar no tempo - mais ou menos como também ocorre com o trabalho do músico Christopher Owens e, consequentemente, de sua maravilhosa e infelizmente extinta banda Girls. Mas nunca sem nos permitir pensar estar diante de algo novo e que dialoga plenamente com o período em que vivemos.


As letras, em geral, falam de amor e são baseadas em sua relação com a esposa Emma. Mas mesmo o romantismo de Tillman é carregado de tintas pouco convencionais, com uma exposição visceral de suas angústias e sofrimentos. Now I’ve got a lifetime to consider all the ways/ I grow more disappointing to you /As my beauty warps and fades (algo como "Agora eu tenho uma vida inteira para considerar todas as maneiras/ Em que eu fico mais decepcionante pra você/ Enquanto minha beleza se distorce e desaparece"), canta John Misty em Bored in the USA - que, em seu título, faz uma brincadeira com o clássico Born in the USA de Bruce Springsteen. Aliás, títulos criativos são uma marca do trabalho - o que dizer de Chateau Lobby #4 (in C for Two Virgins), que poderia ser traduzida como Saguão do Castelo #4 (Em Dó Para Duas Virgens).

Mas o álbum também conta com críticas comportamentais - como na ótima The Night Josh Tillman Came To Our Apartment em que John Misty canta Of the few main things I hate about her/ One's her petty, vogue ideas/ Someone's been told too many times/ They're beyond their years, algo como "Das poucas coisas principais que eu odeio sobre ela/ Uma são suas ideias insignificantes e moderninhas/ Alguém ouviu vezes demais/ Que é muito madura pra sua idade". Mas de todas as boas canções, nenhuma supera a concretista Holy Shit, com sua letra poética e abrangente sobre o mundo moderno, que bem faz lembrar Fitter Happier - aquela do Radiohead, mas com uma orquestração muito mais agradável. Com um trabalho ainda mais completo musicalmente que o seu antecessor - o qualificado Fear Fun de 2012 - Father John Misty eleva a qualidade daquilo que pode ser considerado a atual música alternativa, com um instrumental poderoso e diversificado, que faz a base para as suas irretocáveis letras. E isso não é pouca coisa.

Nota: 9


Nenhum comentário:

Postar um comentário