De: Steven Spielberg. Com Gabriel Labelle, Michelle Williams, Paul Dano e Seth Rogen. Drama, EUA, 2022, 151 minutos.
É um filme afetuoso, nostálgico, divertido, leve esse Os Fabelmans (The Fabelmans). Aquele tipo de experiência de fácil digestão, com uma história que servirá perfeitamente para reunir famílias ao redor do mundo para comoventes sessões coletivas. Não dá pra negar que quando Spielberg abraça esse tipo de projeto ele o faz com carinho, trabalhando as sensações de forma minuciosa, até que elas invariavelmente culminam em algum tipo de catarse emotiva. Dito tudo isso, significa que é o melhor trabalho na história do diretor, como o trailer e alguns setores da crítica me levaram a acreditar? Olha, a meu ver não. Não percamos de vista, afinal, que Spielberg é responsável por clássicos atemporais como Tubarão (1975), A Lista de Schindler (1993) e O Resgate do Soldado Ryan (1998) - só pra ficar em alguns. A minha teoria é a de que o que pegou aqui é que já fazia algum tempo que o realizador não lançava algo que fosse meio que unanimidade de público e crítica. Cavalo de Guerra (2011), Lincoln (2012), Ponte de Espiões (2015), The Post: A Guerra Secreta (2017). Todos grandes filmes. Tecnicamente bem feitos, bem costurados, com bons elencos e roteiro. Mas, inesquecíveis? Como foi um Jurassic Park (1993), por exemplo? Um ET: O Extraterrestre (1982)?
E já que eu me meti a teorizar, um outro ponto que pega com Os Fabelmans me parece ser o do filme que recebe o selo de "feito pra toda a família". Todo mundo pode ser sem medo, sem receio, sem surpresas desagradáveis. Condição que se une ainda a um outro modismo, que é o dos diretores que se inspiram em suas próprias trajetórias pra, de forma metalinguística, investir em uma narrativa de paixões e de desejos juvenis - que, lá no fundinho, podem ou não incluir o cinema, as artes, a cultura, a política, o esporte, como no caso dos recentes Belfast (2021), Licorice Pizza (2021) e A Mão de Deus (2021), com Kenneth Branagh, Paul Thomas Anderson e Paolo Sorrentino se valendo de reminiscências que envolvem narrativas repletas de elementos de fácil identificação por parte do público. Dito tudo isso ainda há um último aspecto que, aparentemente, também costuma funcionar bem nesses casos: ao cabo Os Fabelmans é um filme para quem gosta de filme. Para quem ama cinema e tudo o que envolve essa arte. Enquanto acompanhava a história do pequeno Sammy Fabelman (vivido na infância por Mateo Zoryan e na adolescência/juventude por Gabriel Labelle) só conseguia recordar da minha própria experiência com o cinema. Do meu primeiro filme. De quando cai a ficha e dá aquele click na gente.
E esse é o tipo de beleza que jamais poderá ser retirado não apenas deste, mas de qualquer filme do Spielberg, que tem essa capacidade única de fazer com que a gente VIVA um filme - para além de assistir. A trama de Os Fabelmans já é relativamente conhecida e se baseia em memórias de infância do próprio diretor - que se apaixonará pela telona, após assistir com seus carinhos pais Mitzi (Michelle Williams) e Burt (Paul Dano), uma sessão de O Maior Espetáculo da Terra (1952), obra gigantesca de Cécil B. De Mille, que ganharia o Oscar de Melhor Filme naquela temporada (aliás, sob muitos questionamentos, por sinal, dado o caráter megalômano do projeto). Sempre com uma câmera na mão, o pequeno recorrerá às próprias irmãs e aos amigos escoteiros para dar vida a vídeos domésticos que, aos poucos, passarão a chamar a atenção pelo caráter visionário e engenhoso de sua elaboração - a despeito das dúvidas do cartesiano pai, um engenheiro requisitado que viria a trabalhar na IBM e que funciona como uma espécie de oposto à sonhadora e impulsiva mãe, uma pianista que, por conta das vicissitudes da vida, nunca "aconteceu". São dois lados, ambos amorosos, que atuarão como polos que orbitam o pequeno, em meio a dilemas e incertezas domésticas que movimentarão a história, ecoando na vida de todos.
Apostando em uma série de instantes de celebração à arte de fazer filmes - as peças amadoras do pequeno Fabelman surgirão, aqui e ali, recheadas por inacreditáveis improvisos que compensam as dificuldades técnicas (eu particularmente adorei aquela que recria o efeito de balas ricocheteando em um muro) - a obra ainda é uma inspiradora e típica história de persistência e de luta por um ideal. O calor humano está por toda a parte e mesmo momentos mais doloridos são pontuados por uma ambientação etérea, quase elegíaca, como na hora em que Mitzi dança vivamente, enquanto a contraluz faz com que ela surja em cena como uma espécie de assombração onírica, elegante. São momentos de turbulência que nos ajudam a lembrar que, quando o assunto é família, nem tudo são flores. E que sempre haverá a necessidade de se recalcular a rota para que tudo volte para os eixos. Simples, direto, espirituoso, o filme é daqueles vai ao coração, sendo impossível não abrir um sorriso ao final (que conta com uma inacreditavelmente maravilhosa participação especial). Para o Oscar é um dos favoritos à principal categoria. As credenciais são as melhores.
Nota: 8,0
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