De: Fran Kranz. Com Ann Dowd, Jason Isaacs, Martha Plimpton e Reed Birney. Drama, EUA, 2021, 110 minutos.
Pesquisa feita pela organização Everytown for Gun Safety apresenta um dado alarmante: o número de tiroteios em escolas dos Estados Unidos é o maior dos últimos dez anos - foram 193 no recente ano letivo. Cento e noventa e três pessoas saíram de suas casas num dia qualquer, para abrir fogo contra colegas, amigos, estudantes - por motivações variadas, que vão de bullying sofrido, proximidade com grupos extremistas (especialmente os de direita) e sensação de isolamento. A mesma entidade afirma ainda que quatro milhões e seiscentas mil crianças nos Estados Unidos vivem em casas onde há uma arma carregada e de acesso fácil. A organização quer leis que determinem que a arma fique longe do alcance das crianças. E também recomenda a prestação de apoio psicológico porque, na maioria dos casos, o atirador dá sinais de que poderia agir de forma violenta. Mas os sinais nem sempre são fáceis de interpretar - o que preocupa famílias e especialistas no assunto.
Acidentes domésticos, brigas, suicídios - pesquisadores acreditam que o crescimento exponencial de mortes em tiroteios está diretamente relacionado aos recordes de compras de armas registradas nos últimos anos (e o tipo de política de violência e de morte estimulada não apenas por Donald Trump, mas também por Jair Bolsonaro que, já foi tarde graças à Deus, também não ajuda muito). Aliás, bem vindo o REVOGAÇO. Todo esse preâmbulo que faço aqui é apenas para dizer que o soberbo e pungente Reunião (Mass) - a estreia do diretor Fran Kranz - tem esse tipo de tragédia como pano de fundo. Mas o ângulo da abordagem é bastante diferente daquele a que estamos acostumados: aqui não acompanhamos a rotina dos jovens envolvidos nos episódios ou mesmo os eventos que levam a essa ou aquele atitude extrema. Não há cenas da preparação para o ato, não há tiros sendo disparados ou mesmo uma sequência com gritos, correria, sangue ou polícia chegando. Muito menos um aparato semidocumental à moda Elefante (2003), o filme de Gus Van Sant.
Aqui o centro da narrativa é aqueles que ficam. Pais dos assassinados. E do assassino. E sobre como encontrar forças para continuar, após um evento que alterará a existência deles para sempre. Vingança? Justiça? Quais as possíveis explicações? Os pais do assassino poderiam ter percebido algo de diferente em seu comportamento? Poderiam ter sido mais incisivos na tentativa de evitar a desgraça? Havia algum indício de distúrbio mental? De ímpeto destrutivo? Os jogos de videogame mais violentos tem algum papel nisso? E a criação excessivamente católica, envolvendo culpa constante, medo e repressão também pode ter sido decisiva? É difícil saber. Não há uma resposta definitiva. É um conjunto complexo de variáveis que parecem menos simples do que supõem as motivações políticas, o acesso facilitado à deep web, a paranoia ou as teorias conspiracionistas. Para os pais que tiveram seu filho morto em um evento brutal e absurdo a dor é pior, em dobro, em triplo. Quadruplicada. O que reivindicar? Como ter algum acesso a algum tipo de justiça maior, mais "divina", que vá para além da morte do próprio homicida - que se suicida após abrir fogo contra mais de uma dezena de pessoas aleatórias em uma sala?
Sinceramente, esse é daqueles filmes que não dão muitas respostas, mas nos fazem refletir. Como pais, como adultos, na tentativa de indicar sinais, de dar apoio, de afastar as angústias, os anseios juvenis, os medos, as inseguranças. Na trama, o casal enlutado Jay (Jason Isaacs em excelente caracterização) e Gail (Martha Plimpton) se encontra com Richard (Reed Birney) e Linda (Ann Dowd, em interpretação comovente), para uma espécie de acareação sobre o assunto. O cenário é uma Igreja, com catequistas ensaiando cânticos por todo o lado, imagens de Cristo espalhadas aqui e ali e uma claustrofobia pulsante, que emana de um gabinete fechado que não tem mais do que quinze metros quadrados. Quase duas horas de conversa. De dores, de comoção, de sentimentos que se espalham, de tentativas desesperadas de tentar juntar os cacos onde não parece haver qualquer esperança. Tudo feito com um roteiro bem costurado, cheio de diálogos brilhantes, que convertem a experiência em uma obra íntima e profunda, que nos faz desabar, que nos deixa preocupados, atormentados, chorosos. A explicação pode estar em qualquer canto, mas uma certeza a gente há de ter: quanto mais armas disponíveis, mais possíveis as tragédias se repetirem. Não precisa nem ser especialista para saber disso. E aí não há família, não há professor, não há paróquia que impeça.
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