segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Novidades em Streaming - Passagem (Causeway)

De: Lila Neugebauer. Com Jennifer Lawrence, Brian Tyree Henry, Jayne Houdyshell e Linda Emond. Drama, EUA, 2022, 96 minutos.

"E se o Afeganistão não foi o único trauma?" Quando a gente acompanha o diálogo entre Lynsey, uma "veterana" de guerra vivida por Jennifer Lawrence, e James, seu mecânico e amigo meio improvisado, encarnado de forma comovente por Brian Tyree Henry (aliás, em papel que lhe rendeu indicação ao Oscar), no filme Passagem (Causeway), a gente percebe que as batalhas interiores que envolvem dores, perdas e luto sejam maiores do que sugerem o campo e batalha. Sim, a gente tende a achar, não sem certa razão, que absolutamente nada pode ser pior do que uma guerra. Mas o que explicaria o desejo tão ardente da ainda jovem Lynsey em retornar para o front? De volta à sua Nova Orleans Natal após uma explosão ter lhe causado uma hemorragia cerebral durante a guerra, Lynsey tenta juntar os cacos em meio a dolorosas sessões de fisioterapia, que se alternam com uma relação bastante conturbada com sua mãe, Gloria (Linda Emond).

Claramente a sua rotina parece ser a de uma pessoa que não pertence mais àquele lugar. Mas quais os caminhos para uma possível reconexão? Para uma reaproximação com esse habitat? Com a família - que é completada por um irmão que está preso por envolvimento com o tráfico? Em uma de suas saídas de casa para tentar arranjar emprego - na guerra, Lynsey atuava na área de engenharia, não estando tão habituada a apertar gatilhos -, o antigo carro de sua mãe funde (uma picape velha, que ela leva para uma oficina mecânica). É no local que ela será atendida por James que, de forma meio desajeitada, oferecendo uma carona aqui, lhe convidando para uma cerveja (ou um sorvete) ali, se aproximará dela. Talvez até se apaixonará. Tentando assim demovê-la da absurda ideia de retornar para a guerra como o único caminho possível para algum tipo de paz. E para que as memórias traumáticas da cidade, assim, possam se apagar.



Ao cabo trata-se de uma obra pequena e cheia de instantes sutis sobre o poder da amizade e a respeito da importância da empatia como um caminho que possa nos retirar do buraco em que estamos. Enquanto assistia ao filme dirigido por Lila Neugebauer (uma das realizadoras da série Maid, da Netflix), pensava naquele chavão que diz algo sobre "nunca sabermos como está a vida ou o corre do outro por não estarmos em sua pele". E essa é uma falha meio que geral nossa: quantas vezes mostramos interesse genuíno pelo outro? Quando nessa vida que uma menina loira, bonita, mais ou menos bem nascida de Nova Orleans faria amizade com um mecânico negro, que lhe atende? Não demora para que saibamos que James também carrega os seus traumas - e a sequência em que ambos estão dentro da piscina e trocam confidências, é uma das que faz valer a sessão.

Ok, talvez o filme possa dar uma exagerada em alguns aspectos, mas, o que ele parece querer nos mostrar é que é possível ver a luz que está lá em cima, após sair do andar de baixo - e isso não é papo de autoajuda, eu juro! Reflexões, arrependimentos, anseios, desejos, coisas que preferiríamos esquecer, chances de recomeçar. Quem nunca? A vida real é cheia de surpresas boas e ruins e é sempre tempo de respirarmos um pouco e tomarmos um sorvete (ou um banho de piscina). Indo do pessimismo niilista à esperança quase ingênua, a obra tem aquela cara de "drama indie que faz sucesso no Festival de Sundance", devendo fisgar sem dificuldades os fãs do cinema alternativo. A memória para Lynsey - ou a falta de - é um problema que acompanhamos já no começo de sua jornada, quando ela é acompanhada pela gentilíssima cuidadora Sharon (Jayne Houdyshell). E conseguir lembrar do passado talvez possa ser a motivação (ou a passagem) que falte para que novas memórias sejam formadas. E para que, enfim, se possa seguir.

Nota: 7,0
 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário