quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Tesouros Cinéfilos - A Menina Silenciosa (An Cailín Ciúin)

De: Colm Bairéad. Com Catherine Clinch, Carrie Crowley, Andrew Bennet e Michael Patric. Drama, Irlanda, 2022, 96 minutos.

Em tempos de tanta brutalidade e violência como os que vivemos, devo confessar que me fez muito bem assistir a uma obra tão afetuosa e gentil como este A Menina Silenciosa (An Cailín Ciúin) - enviada da Irlanda à próxima edição do Oscar e que está entre as 15 da short list na categoria Filme em Língua Estrangeira. Aliás, esse é o tipo de produção que renova um pouco a esperança na humanidade, nos fazendo refletir sobre a importância da gentileza como um caminho para nos livrar do ódio. Na trama, somos apresentados à jovem Cáit (Catherine Clinch), menina de olhos curiosos e observadores, que parece muito mais acostumada a ouvir do que falar. O que talvez possa ser explicado pela existência em meio a turbulência de uma família numerosa, chefiada por um pai negligente e abusivo (Michael Patric) e por uma mãe estressada e aflita (Kate Mic Chonaonaigh) - que está novamente grávida e não parece saber direito como agir em meio a um cenário doméstico de caos generalizado.

E, como uma forma de tentar desafogar a casa na iminência da chegada de um novo filho, Cáit é enviada, compulsoriamente, para a casa da prima da mãe - uma carismática e elegante senhora de nome Eibhlín (Carrie Crowley) que, ao lado do taciturno marido Séan (Andrew Bennet), toca uma propriedade de produção de leite. E não demora para que a cautela inicial da pequena, evidenciada pelo seu olhar sempre amplo, ainda que tímido, vá dando lugar à confiança conforme os dias passam naquele verão do começo dos anos 80. De forma hábil, o diretor estreante Colm Bairéad pontua os contrastes entre ambas as casas, mostrando a importância do acolhimento como alternativa para a efetivação da convivência pacífica. Com fala mansa e absolutamente segura, Eibhlín passa a conduzir a educação de Cáit, estimulando sua independência e demonstrando um tipo de amor que simplesmente não existe no ambiente doméstico de sua família de sangue.

E, nesse sentido, não deixará de ser divertido ver como Cáit se sentirá mais à vontade para conversar com seus pais "emprestados" - as interações com Séan chegam a ser engraçadas em alguma medida. O que não significará, ainda, que os adultos permanecerão alheios aos componentes educacionais da criação da menina - e a sequência em que Séan mostra contrariedade com uma atitude da jovem para, em seguida, mostrar como ele lhe tem amor, são apenas comoventes, como comprovará o momento que envolve um singelo biscoito posto sobre uma mesa. Sem pressa, com uma fluidez lenta, evocativa, a obra brilha justamente nesses pequenos instantes íntimos de interação - seja no cabelo penteado carinhosamente ou nos esforços em se mostrar útil na hora de limpar a sala de ordenha, uma contrapartida da pequena. Como uma espécie de Anne With An E em forma de filme, aqui temos uma relação que vai se fortalecendo aos poucos, com o espectador sendo cúmplice de descobertas, acontecimentos, revelações e memórias.

Significa que tudo está as mil maravilhas? Não, e os traumas do passado que envolvem o casal anfitrião de Cáit serão descortinados de maneira espaçada, por meio de pequenas pílulas, que permitirão ao espectador, aos poucos, compreender quais as dores que eles carregam. É tudo bastante sutil, o que envolve soluções engenhosas do roteiro, que vão desde a existência de um pai negligente que esquece de entregar a mala da própria filha (efeito de uma bebedeira) ou mesmo a presença de uma vizinha excessivamente tagarela, que dá com a língua nos dentes revelando verdades inesperadas. Só que a base da relação de todos ali será a confiança. A compreensão. O calor humano. A maneira pacífica de encarar as agruras da vida. "Muitas pessoas perdem a oportunidade de não dizer nada", comenta Séan em um momento de digressão. Aqui o silêncio impera, há um tom evocativo no todo, de sutilezas, de economia. O que não significa, ao cabo, dizer pouco.

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