terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Picanha.doc - Navalny

 De: Daniel Roher. Documentário, EUA, 2022, 98 minutos.

"Num País autoritário ou você é um líder pró-autoritarismo. Ou luta contra esse mesmo autoritarismo." (Alexei Navalny)

Vamos combinar que, morando no Brasil, a gente já está meio que habituado a um certo "surrealismo político" - foram quatro anos de governo Bolsonaro, afinal. Ainda assim, a história vista no documentário Navalny - um dos indicados ao Oscar em sua categoria e que está disponível na HBO Max - é tão absurda que, se fosse apenas um filme talvez tivéssemos certa dificuldade em acreditar. Alexei Navalny é um advogado e ativista russo, famoso por ser um dos principais adversários políticos do governo de Vladimir Putin. Em seu canal de Youtube, ganhou popularidade na vibe vtzeiro ao denunciar a corrupção das estatais russas, se colocando como uma espécie de líder de oposição - aliás, em meio a protestos ele chegou a concorrer a cargos eletivos sob a promessa de proceder com reformas que interrompam o ciclo de supostas ilicitudes no País.

Mas por quê fazer um filme sobre Navalny? Aliás, ele não parece até meio irrelevante para além da agitação das redes sociais? Por causa dos eventos ocorridos em agosto de 2020, quando ele foi internado em um hospital em estado grave, com suspeita de envenenamento durante um vôo de Tomsk para Moscou - em um ato provavelmente orquestrado pela agência russa FBS. Internado em coma e retido pelo governo, ele só foi liberado pelas autoridades do Estado para seguir o tratamento em Berlim, após muitos protestos de familiares, dos advogados e de apoiadores. E o que a obra do diretor Daniel Roher faz é justamente acompanhar esses bastidores que envolvem desde as dificuldades em ser oposição de um governo com predileções populistas, passando pelas consequências de criticar os poderosos, até chegar ao envenenamento seguido de prisão. O que chamaria a atenção do mundo para o caráter criminoso do ato, numa tentativa de silenciar um adversário político.

Figura controversa, Navalny é descrito, sim, com algum viés tendencioso, mas sem paixões exageradas - ainda que a obra, evidentemente, tome partido. Se por um lado ele é apresentado como pai e marido amoroso que parece estar numa cruzada meio solitária contra os líderes do Kremlin - que ele afirma guardar semelhança com a Rússia czarista (!) -, por outro, o documentário não se furta em exibir, ao menos em partes, o passado nebuloso do sujeito, que chegou a ter forte conexão com partidos ligados à extrema direita. E a naturalidade com que ele fala sobre a importância dos partidos nazistas - sim, acreditem - numa espécie de formação de "frente ampla" ultranacionalista na tentativa de contrapor o governo Putin chega a ser assombrosa. Sim, Lula fez uma frente ampla por aqui com Simone Tebet, com Geraldo Alckmin e até com o União Brasil, se for preciso. Na Rússia, essa junção política ecoa certo retrocesso igualmente totalitário - e há quem não esqueça das posições racistas e xenófobas de Navalny no passado. Um mal necessário de momento? Mas até que ponto? Discurso anticorrupção? Hipocrisia? Já vimos esse filme (ou circo) midiático em outros lugares?

Focando muito mais no absurdo do tratamento desumano à rivais políticos do que em análises mais profundas de conjunturas russas, a obra se converte, de forma meio involuntária, em um excelente thriller político que não faria feio nas mãos de diretores consagrados do gênero, como o falecido Alan J. Pakula. Com detalhes interessantes da investigação que chegaria aos responsáveis pela tentiva de assassinato - com um curioso método de tentativa e erro que envolve até mesmo uma sequência de trotes telefônicos -, chegando até mesmo a explicações científicas assombrosas sobre o tipo de veneno utilizado, o filme não deixa de ser uma metáfora perfeita para os tempos políticos atuais. Que, aliás, ganham eco em outros países. Admito que assistir a esse filme, tornou ainda mais absurdo o encontro entre Bolsonaro e Putin, com anúncio de apoio do primeiro ao segundo, antes de eclodirem os ataques à Ucrânia. Quais as intenções por trás daquela prosaica reunião? Sinceramente, eu não sou muito chegado em teorias conspiratórias. Mas em se tratando de extremistas políticos brasileiros e o seu completo desvario na tentativa de manutenção de poder, só posso dizer: vai saber né.


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