terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Novidades em Streaming - Ruído Branco (White Noise)

De: Noah Baumbach. Com Adam Driver, Greta Gerwig e Don Cheadle. Drama / Ficção Científica, EUA / Reino Unido, 2022, 136 minutos.

Enquanto assistia a sequência final de Ruído Branco (White Noise) só conseguia pensar que, talvez, as pessoas tenham razão: nem toda a obra literária é possível de ser adaptada. Por que ali, naquele instante multicolorido de dança e de coreografia infantiloide ao som de New Body Rhumba do LCD Soundsystem - sim, aquela tentativa desesperadamente forçada de incluir uma banda alternativa bacanuda só pra soar descoladão - tive a certeza de ver todas as sutilezas e as camadas infinitas (e mais profundas) existentes na obra de Don DeLillo, sendo diluídas em uma proposta eventualmente rasa, de ideias espalhadas de forma meio aleatória e que, de quebra, ainda deixam de lado o humor mais cinicamente discreto, pra apostar num tom de deboche que soa apenas exagerado. Aliás, nessa mesma hora derradeira não pude evitar de sentir certa vergonha alheia. Afinal, é muita gente importante envolvida nesse esforço de levar pra tela um livro tão querido pelo público. E ver a coisa desandando gera um incômodo inegável.

E, de certa forma, devo garantir a vocês que não costumo ser tão inflexível quando o assunto é livro x filme - sim, tenho a ciência de que se tratam de linguagens completamente distintas e há que se reconhecer a capacidade de produtores, diretores, roteiristas e atores em tentar converter uma obra escrita em algo visual. E são muitos os exemplos de sucesso nesse sentido. Só que, aqui, estamos falando de uma obra densa, de cerca de 400 páginas, que mistura ficção científica e distopia futurista, se aproveitando de um evento meio aleatório - no caso uma catástrofe ambiental, um vazamento químico que forma uma espécie de nuvem tóxica que obriga os moradores de uma cidadezinha tipicamente americana dos anos 80 a deixarem suas casas em direção a um acampamento improvisado - para discutir temas variados, como, paranoia governamental, teorias conspiratórias, culto à celebridades, vida em sociedade, dependência de medicamentos, consumismo, interferência da mídia no nosso cotidiano e, claro, o principal de todos os assuntos, que é o medo da morte.

Na obra de DeLillo, é preciso que se diga, há espaço para que esses assuntos todos se desenvolvam com mais calma, de forma mais espaçada, o mesmo valendo para os personagens, que são muitos. O divertido e excêntrico Murray (Don Cheadle) - figura cheia de boas e exóticas tiradas -, o melhor amigo do protagonista Jack Gladney (Adam Driver), se torna alguém tão secundário, que ele quase se perde em meio às dezenas de corredores do supermercado que ambos frequentam em seus momentos de folga - e me recordo como era prazeroso ler as várias páginas em que ambos divagavam longamente no livro de DeLillo. O que servia não apenas para evidenciar a complexidade dos seres humanos - com seus medos, anseios, desejos, inseguranças e frustrações - mas para também dar um direcionamento muito mais existencialista para as temáticas apresentadas que, aqui, viram apenas veículo para (pasmem) piadinhas bobas, que nem parecem se sustentar no mundo real (e ver um professor universitário estudioso de Hilter seguindo um carro com uma placa de exaltação à cultura armamentista gera apenas constrangimento).

Aparentemente confuso para quem não leu o livro e apressado para quem leu, o resultado é, como resumiu a Revista Time em sua resenha, um trabalho que "tem muita conversa, mas pouco a dizer". Há um riso no texto de Delillo que fica meio que por baixo, que não é explícito - a gente sabe que tem sátira ali, mas ao mesmo tempo também levamos a coisa mais a sério, afinal, quem não tem medo da morte? Com uma caracterização embaraçosa, Greta Gerwig e sua Babette - a esposa de Jack - desaparece em uma existência monótona, de uniformes de corrida e de filhos que falam sobre assuntos casuais (aliás, algo insistentemente longe da realidade), para ali adiante divagar sobre como "a vida é boa" e sobre como ela deseja morrer antes do marido. No livro há mais elipses para que esses instantes de divagação sejam melhor processados, condensados, enriquecidos em sentido. Aqui resultam apenas em aborrecimento expositivo, que provém de uma família sem personalidade - os filhos são muitos, meio iguais e, por Deus, FALAM MUITO - e que tenta, de toda a forma, informar na desinformação. Nas frestas, nos cantos. A aceleração, aliás, faz com que o aspecto mais comovente do livro de DeLillo também se perca: o de como nos refazemos após eventos traumáticos. Como lidamos com seus efeitos colaterais, em meio a incerteza perturbadora sobre o futuro. Ainda que tecnicamente eficiente - o desenho de produção, por exemplo, é excelente - fica tudo num vácuo, num liquidificador imenso. Que bate muita coisa, mas entrega um suco sem sabor.

Nota: 4,5

 

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