De: Guillermo Del Toro e Mark Gustafson. Com David Bradley, Gregory Mann, Ewan McGregor e Tilda Swinton. Animação / Fantasia / Musical, EUA, 2022, 117 minutos.
"A animação se tornou na mente do consumidor um gênero. Mas também é uma forma de arte. E, de todas as formas de arte dentro da animação, a mais sagrada e mágica para mim é o stop motion. Por que ela representa o elo entre o animador e a realidade". A frase dita por Guillermo Del Toro no material extra de divulgação da sua versão de Pinóquio (Pinocchio) dá uma boa dimensão do que é esse trabalho artesanal de captura de movimento quadro a quadro, que visa a dar "vida" a objetos inanimados. Del Toro explicou que a sua versão do clássico livro de Carlo Collodi levou 15 anos para ser concluída - sendo os últimos três anos os de trabalho mais intenso. Então como é possível analisar uma obra dessa magnitude, que exigiu tanto de uma equipe gigantesca, da mesma forma que as demais? Simplesmente não tem como. Em resumo, o diretor mexicano argumenta que a técnica é uma forma de arte superior. E, sinceramente, eu tendo a concordar com ele.
Bom, para além do exercício quase infinito de paciência em manipular bonecos, objetos e cenários inteiros para a construção da história, o caso é que Del Toro converte a clássica história do menino de madeira que é construído por um pai enlutado em uma experiência comovente sobre luto, memória, aceitação, família e respeito às diferenças sem perder de vista o componente mágico e eventualmente lúdico do material original. Utilizando como pano de fundo o entre guerras e a ascensão do fascismo, o mexicano, que trabalhou em parceria com o diretor de animação Mark Gustafson, vai no limite entre o sofisticado e o macabro - especialmente nos primeiros minutos, quando mostra como Geppetto (David Bradley) perdeu seu filho Carlo após a explosão de uma bomba em uma Igreja. Em meio a bebedeiras na tentativa de superar o luto, Geppetto planta um pinheiro junto ao túmulo de Carlo - e será justamente da madeira dessa árvore que Pinóquio será construído.
Com um elenco recheado de estrelas, Del Toro preenche a tela com personagens secundários adoráveis, como é o caso do grilo metido a intelectual Sebastian J. Cricket (Ewan McGregor), da fada que também funciona como guarda no purgatório (Tilda Swinton), um macaco que é meio goblin meio símio (Cate Blanchett), além do vilão da história, um certo Conde Volpe (Christoph Waltz), uma espécie de showman que se interessa por Pinóquio, já que acredita que ele possa ser uma atração interessante de seu circo itinerante. Todos eles têm papel importante na narrativa, ainda que a história de amadurecimento mais interessante, de fato, seja a do fortalecimento da amizade justamente entre Geppetto e seu novo "filho" que, não bastasse o fato de ser uma desconjuntada e esquálida estrutura de madeira - uma engenhoca molenga e incompleta -, ainda tem o crescimento do nariz como um efeito colateral para as suas seguidas mentiras.
Emocionante, afetuoso e até esperançoso, a despeito das inevitáveis tristezas até a subida dos créditos, Pinóquio de Guillermo Del Toro ainda é um primor no que diz respeito ao aparato técnico. Aliás, no mesmo material de divulgação que já citei, o diretor de A Forma da Água (2017) e O Beco do Pesadelo (2021) explica que tinha o desejo de manter uma estética suja para seus personagens - o que é evidenciado em detalhes como as unhas escurecidas (fruto dos anos de trabalho como carpinteiro) de Geppetto ou mesmo nos móveis imundos da oficina que ele habita. São imperfeições que, paradoxalmente, conferem mais realismo à experiência o que, por óbvio, também parece facilitar o nosso processo de transição para esse universo de fantasia. "A gente tende a achar que conhece essa história, mas na verdade não conhece", observou Del Toro. Depois de conferir o filme, que deverá ser um dos indicados ao Oscar na categoria Animação, tive a certeza disso.
Nota: 8,5
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