segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Cinema - Decisão de Partir (헤어질 결심)

De: Park Chan-wook. Com Park Hae-il e Tang wei. Drama / Suspense / Romance, Coréia do Sul, 2022, 138 minutos.

Existe uma sequência bastante simbólica - mais uma entre tantas - de Decisão de Partir (헤어질 결심) que, instantaneamente, se tornaria uma das minhas preferidas do mais recente filme de Park Chan-wook. Nela, o detetive Jang Hae-joon (Park Hae-il) reconstrói o trajeto que, ele supõe, possa ter sido percorrido até a ocorrência de um assassinato - o que envolve a escalada de um rochedo bastante íngreme. Em certa altura ele atinge um local conhecido como Pico do Óleo, um espaldar bastante liso, que o faz escorregar, quase cair. Como uma espécie de Sísifo do Oriente ele persiste, resvalando aqui, avançando ali. Tal qual o personagem do ensaio clássico escrito pelo existencialista Albert Camus, ele pretende encontrar algum sentido - nesse caso, em um crime sem solução. Mas, ao cabo, parece se deparar apenas com um ambiente desconexo, sem lógica. A escorregada metafórica talvez demore para servir de evidência para algo que parece estar sendo esfregado desde o começo em sua cara. E talvez essa demora em perceber, faça com que seja tarde demais.

Sim, pode parecer meio filosófico mas, aqui e ali, isso também é parte da experiência dessa obra que foi a enviada da Coreia do Sul para a próxima edição do Oscar e que tem grandes chances de ser uma das finalistas na categoria Filme em Língua Estrangeira (e a conquista do prêmio de Direção no mais recente Festival de Cannes não deixa de ser uma bela credencial). A trama é uma espécie de homenagem a Alfred Hitchcock em um thriller noventista de roteiro fragmentado, montado como se pequenas peças se unissem até formar uma ampla tapeçaria. Como detetive, Hae-joon está intrigado com a morte inesperada do alpinista Ki Do-soo (Seung-mok Yoo) - um sujeito que parece ter bastante experiência com esse tipo de esporte. Ele se atirou? Ou foi empurrado? A principal suspeita recai na misteriosa e enigmática esposa Song Seo-rae (Tang wei). "Quando ele não retorna de suas escaladas penso que ele finalmente possa ter morrido" comenta a jovem no primeiro interrogatório. "Finalmente", sussurra para si próprio o detetive, desconfiando da palavra utilizada.



Os diálogos cheios de ambiguidades se unem ao comportamento excessivamente estoico e, de alguma forma, resignado da viúva. Não bastasse expressar praticamente nenhuma emoção ao saber da morte do próprio marido, ela ainda retorna ao trabalho imediatamente - ela é cuidadora de idosos. "Cuidar de velhos vivos vêm antes de meu marido morto", argumenta. Para Hae-joon é tudo muito estranho, o que faz com que ele monte uma espécie de acampamento no entorno de Seo-rae, espionando à distância sua rotina, sempre munido de um binóculo, tentando reunir algum tipo de prova que, efetivamente, possa incriminá-la. Se aproximando cada dia mais da sua investigada, o detetive vai se enredando em uma trama que parecerá apenas dar voltas em torno do mesmo assunto. Sem muitas novidades no caso, eles vão ampliando a sua intimidade - o que pode ser constatado em instantes que vão no limite entre a apresentação de provas e o flerte, como no momento em que a jovem sobe o seu vestido para mostrar um arranhão que poderia ter sido feito pelo morto (e que poderia ser a evidência de algo).

Sutil mas soberbamente montado, o filme vai sendo construído sem pressa, indo no limite entre o violento e o bem humorado, entre o elegante e o enigmático. Um vestido que parece ser de uma cor, mas é de outra. Um cenário vandalizado sem muita explicação. Uma manteiga de cacau carinhosamente aplicada nos lábios. Uma música cheia de significados que toca repetidamente. O cheiro de cigarro que sai da roupa. Uma frase de Confúcio que parece resumir tudo. De forma inteligente, Chan-wook, assim como já havia feito com os ótimos Oldboy (2003) e A Criada (2016) brinca com as possibilidades técnicas e de narrativa, aproximando e afastando, confundindo e organizando (e o espectador mais desatento pode não simpatizar tanto, por exemplo, com efeitos curiosos como aqueles que colocam o detetive e sua investigada na mesma sala, mesmo quando eles permanecem a distância, separados por paredes ou janelas). É uma forma de reforçar o vínculo afetivo que vai se estabelecendo aos poucos e que poderá ser decisivo na hora de permanecer. Ou partir. Um filmaço.

Nota: 9,0
 
 

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