De: Chris Williams. Com Zaris-Angel Hator, Karl Urban e Jared Harris. Animação / Aventura, EUA, 2022, 119 minutos.
Devo admitir a vocês que só fui prestar atenção nesse A Fera do Mar (The Sea Beast) depois da indicação ao Oscar na categoria Animação e, que grata surpresa! Trata-se de uma obra carismática, bonita e que transmite uma mensagem de tom pacifista e de preservação do meio ambiente, de forma a subverter um pouco a lógica da clássica narrativa da "jornada do herói" (algo que nos acostumamos a ver também em desenhos). Não significa, ao cabo, que não haja heroísmo aqui e sim evidenciar que a bravura ou a coragem pode ter muito mais a ver com confrontar sistemas que se perpetuam do que simplesmente lutar uma batalha física, sangrenta - de armas, canhões, espadas e outros. Ok, eu sei que o ideal de filmes mostrando que a guerra é péssima não chega a ser exatamente uma novidade. Mas em tempos tão brutos como os que vivemos, martelar essas ideias parece ser algo cada vez mais necessário. Ainda mais quando o assunto são os pequenos e a maneira como estamos criando essa geração que será a próxima.
A arte, afinal, humaniza. Nos faz pensar, refletir. E, quanto antes isso acontecer, melhor. Então fica aqui o aceno positivo à essa nomeação que fez o filme de Chris Williams (um dos diretores do divertido Operação Big Hero) - que, aliás, está disponível na Netflix - ser uma espécie de convidado de última hora à maior premiação do cinema. A trama nos joga pra uma Era - não se sabe exatamente qual - em que os humanos convivem com feras aterrorizantes que vagam pelos mares. Caçar esses monstros significa ser celebrado e respeitado não apenas pelos imperadores, mas também pelo povo - como é o caso do lendário Jacob Holland (Karl Urban) que é tipo um braço direito do Capitão Crown (Jared Harris) em suas jornadas. Tudo corre mais ou menos de acordo com o script até o dia em que a dupla sai para a caçada de uma enorme e perigosa baleia vermelha - ocasião em que se deparam com a inesperada presença da órfã Maisie Brumble (Zaris-Angel Hator) no convés. Cheia de personalidade, a intrusa pretende participar das aventuras.
Maisie, assim como muitos outros pequenos é uma órfã que, justamente, perdeu seus pais quando estes envolviam-se em uma caçada em alto-mar. De posse de livros que relatam essas jornadas cheias de heroísmo e glórias - sempre narradas de forma bastante laudatória por seus autores -, a jovem acredita ter a predisposição para a batalha em seu DNA. E se para Jacob já não bastassem os desafios do mar em si, agora ele também precisará cuidar de Maisie e, bom, não é preciso ser nenhum adivinho pra saber que dali sairá uma inusitada amizade. Especialmente depois que a dupla for "capturada" pela grande baleia vermelha, sendo conduzida até a ilha em que mora com outras feras marítimas. E será nessa hora que a pequena passará a perceber que a história que é contada por seus antepassados, talvez não seja exatamente como ela imaginava. O que envolverá uma sequência de cenas comoventes de interação entre Maisie, Jacob e o monstrengo gigante (difícil não se emocionar na parte das flechas, por exemplo).
Tecnicamente soberba, a animação aborda temas como empatia, quebras de paradigmas e até enfrentamento a sistemas autoritários de forma sutil, sem fazer parecer que estamos diante de um simples panfleto. Alternando momentos comoventes, com outros mais engraçados - aliás, a gente acaba rindo de instantes meio inusitados, como na parte do primeiro encontro entre o trio já embaixo da água (um momento paralisante para todos, com ótimo uso da fotografia e da trilha sonora), ou mesmo no momento em que Jacob sofre em meio a uma singela pescaria - o filme não deixa a ação de lado, ainda que, lá adiante, faça pensar sobre o absurdo de uma guerra que provavelmente não terá fim. Bonita, respeitosa e inteligente, a obra ainda brilha na subversão da lógica do papel do vilão - e de como aqueles que são doutrinados por certos tipos de política tendem a ser as grandes vítimas em determinados cenários. Aquecimento global, pandemia, extremismo de direita. Sim, sei que talvez esteja avançando para além da análise de uma simples animação. Mas a chave aqui é confrontar a ignorância: o que essa obra faz de forma divertida, consistente e de forma a agradar adultos e crianças.
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