quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Novidades em Streaming - O Menu (The Menu)

De: Mark Mylod. Com Anya Taylor-Joy, Ralph Fiennes, Nicholas Hoult e John Leguizamo. Comédia / Suspense, EUA, 2022, 107 minutos.

Não vou negar a vocês: assistir a um bando de clientes pomposamente afetados, em um restaurante de luxo tão exclusivo que só comporta doze pessoas, sofrendo nas mãos de um chef excêntrico - que vai no limite entre o vulgar e o genial - é absolutamente catártico! Aliás, a gente está numa fase em que excelentes obras utilizam sua trama, seus roteiros, não apenas para criticar a mesquinharia e a soberba dessa elite tosca que costuma nos rodear - muitas vezes constituída por sujeitos mimados, arrogantes e ignorantes -, mas também para avançar um pouquinho a mais em direção a uma espécie de ideal indenizatório. Mais ou menos como Luis Buñuel faria em clássicos como O Anjo Exterminador (1962). Ou como Ruben Östlund tem feito em toda a sua filmografia - com destaque para o recente e ainda inédito por aqui Triângulo da Tristeza (2022). E o que dizer da inadiável série The White Lotus? Sim, a burguesia - essa burguesia exibicionista e vazia - fede. E aqui está o diretor Mark Mylod (de Succession) e o seu O Menu (The Menu), pra nos lembrar mais um pouquinho disso.

Na trama, um seletíssimo grupo de clientes do carésimo restaurante Hawthorne - daquele tipo que milionários frequentam e que exigem reservas com uma vida de antecipação - se encaminha placidamente para viver uma noite de gastronomia requintada e de excelência, experiência que será proporcionada pelo taciturno e extravagante chef Julian Slowik (Ralph Fiennes, em um papel que ela parece ter nascido para fazer). No grupo de comensais tem de tudo um pouco - de astro de cinema decadente que tenta uma espécie de reposicionamento na carreira (John Leguizamo) e sua assistente (Aimee Carrero), passando por uma crítica gastronômica de nariz empinado (Janet McTeer), que está na companhia do editor da revista que ela trabalha (Paul Adelstein), até chegar no trio de novos ricos da bolsa de valores - aqueles hétero top padrão, que acreditam que o mundo precisa se dobrar a eles pelo simples fato de terem alcançado algum sucesso financeiro. Além deles há ainda um casal de antigos clientes (Judith Light e Reed Birney) que, pelo visto, frequentam o local mesmo sem sentir prazer algum nisso. Eles podem pagar, afinal, mesmo sem saber direito o que estão consumindo.

Mesmo jogando luz de um para outro e indo de mesa em mesa para trazer detalhes da personalidade de cada um desses clientes um tanto pretensiosos, a narrativa centra sua força no casal Margo (a sempre ótima Anya Taylor-Joy) e Tyler (Nicholas Hoult) que, de tão incompatíveis, serão o ponto de partida para a jornada desastrosa que invadirá a madrugada. Margo é aquele tipo de garota de modos simples, que talvez só quisesse bater uma a la minuta ou mesmo um xizão, bebendo um chope e jogando conversa fora. Já Tyler é aquele que sonha em adentrar esse universo, encontrando um significado profundo nas exóticas e nada ortodoxas criações de Slowik. Em um momento, o chef entrega ao grupo apenas um prato com molhos, sem pão, sem massa, sem nada. Há um conceito por trás? Tyler acredita que sim. Se maravilha com aquele projeto alimentar que não entrega nada que não seja apenas afetação e extravagância. Para Margo é um claro sinal de que há algo muito errado. O que só piorará quando o Slowik entregar prosaicas (e personalizadas) tortillas. É divertido e bizarro. Aterrorizante, mas sutil. Histriônico, mas libertador.

Ao cabo é aquele tipo de obra difícil de resumir, mas que se alinha por exemplo a Glass Onion: Um Mistério Knives Out (2022) na mescla de comédia com terror, à moda dos livros de Agatha Christie. Não há assim uma grande profundidade na análise, que não seja a de colocar o dedo na ferida do comportamento patético da aristocracia, que não se furta a consumir alimentos exóticos e de alto valor agregado, não se preocupando muito com o quanto estão gastando, ao mesmo tempo em que milhares de pessoas no mundo passam fome. É mais ou menos como a polêmica dos jogadores da seleção brasileira comendo carne banhada a ouro durante a Copa. Ou mesmo o caso do restaurante que virou meme ao ofertar a inusitada (e porca) experiência gastronômica de consumir calda de chocolate com as mãos lambuzadas pelo doce. E ainda pagando elevados valores. Há algo ilegal nisso tudo? Provavelmente não. Imoral? Talvez. O que nos resta? Se divertir vendo um chef alucinado levando esses conceitos da alta gastronomia ao limite do aceitável misturando terra, rocha, água, fungos, algas, frutos do mar, vida, sangue, fluídos e morte. Arte. Complexa. E saborosa ao extremo.

Nota: 8,5

 

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