terça-feira, 27 de setembro de 2022

Foi Um Disco que Passou em Minha Vida - R.E.M (Automatic for the Pepole)

Não sei como foi pra vocês, mas a minha paixão pelo R.E.M não começa com Automatic for the People. Na realidade é o Out of Time (1991) que abre as portas: um disco que talvez não fosse tão coeso, mas que tinha hits imbatíveis - e basta pensar que Losing My Religion e Shiny Happy People, com seus videoclipes marcantes, fazem parte desse álbum. O fato é que quando se é uma criança de dez, onze anos, que está crescendo e meio que descobrindo o mundo, as memórias se tornam meio aleatórias, difusas. Sim, eu lembro das canções de Michael Stipe e companhia ecoando no rádio. As citadas acima. Outras como The One I Love, Orange Crush ou Radio Free Europe. É tudo meio espaçado dentro dos sonhos juvenis. Nostálgico em alguma medida. A gente ia se formando meio que sem saber. Aprendendo não se sabe bem de onde. E quando vê, bate. E eu jamais vou me esquecer da minha alegria ao sair de uma das lojas de CDs locais, com a minha cópia do oitavo trabalho do R.E.M.

Na minha juventude utilizávamos uma expressão que buscava resumir a paixão demasiada por um disco: o de que ouvíamos ele até "furar" (o que não deixava de ser um curioso paradoxo, diante de um artefato que possui um buraco em seu centro). Esse foi o caso de Automatic for the People. Trancado no quarto ficava horas saboreando aquelas canções que iam da melancolia extrema (como no começo, com Drive e mais adiante com Everybody Hurts), passando pelo otimismo debochado de The Sidewinder Sleeps Tonight, até chegar a intimista e grandiosa Man on the Moon que, até hoje, permanece como uma das minhas músicas preferidas da vida. Tudo nela é perfeito, da melodia sinuosa e envolvente, passando pela letra que homenageia o comediante Andy Kaufman ao mesmo tempo em que divaga sobre atemporalidade, memória, mitologia e a inocência perpetrada pelo sonho americano, até chegar ao refrão grudento. A canção entraria mais tarde na trilha do ótimo O Mundo de Andy (1999) e, bom, apenas amamos.


Sobre as outras canções, interessante notar como, mesmo os instantes mais enigmáticos, parecem ser envoltos em uma ambientação dramática, soturna. A reflexiva Monty Got a Raw Deal homenageia o astro da Hollywood dos anos 50 Montgomery Clift, que morreria tragicamente anos após um acidente que deformaria seu rosto. Clift era um dos homens mais belos de Hollywood e lidar com uma série de cirurgias em que nada poderia ser feito o fez se entregar às bebidas e aos remédios. "Monty, isso me parece estranho / Os filmes têm aquela coisa de filme / Mas o absurdo tem um quê de boas-vindas / E os herois vão e vêm facilmente", divagaria Stipe. Esse expediente que mescla referências culturais, dilemas cotidianos e dores mundanas, seria repetido em outros momentos. As perdas familiares são mencionadas em Sweetness Follows. As intenções suicidas em Try Not to Breathe. A esperança por dias melhores em meio a adversidades em Everybody Hurts. E a pesada crítica política às eras Bush e Reagan ecoa em Ignoreland. É um conjunto que se torna heterogêneo à sua maneira.

De alguma forma falar de morte, de sofrimentos, de tempo que não retorna mais, de passado mas olhando para o futuro, tudo é despejado para o ouvinte com calma, com elegância, de forma complacente. É como se Stipe se posicionasse como uma espécie de amigo que está ali ao lado para apoiar, para dizer a palavra certa, para fazer levantar a cabeça. Mesmo Drive, com suas cordas cortantes e melodia repetitiva, surge como um libelo a liberdade de escolha, especialmente por parte dos jovens (Hey, crianças, onde estão vocês? / Ninguém lhes diz o que fazer, baby). E mesmo quando adota o deboche, o pastiche aleatório, a banda de Athens o faz de forma graciosa, transformando o inusitado na matéria-prima ideal, como no caso de The Sidewinder Sleeps Tonite, que nada mais é do que uma canção sobre um sujeito que aguarda uma ligação na calçada da rua. Levemente acústico, estabelecendo diálogo com o country e o alternativo em igual medida, Automatic for The People talvez tenha sido o último grande disco do R.E.M. Não que Monster (1994), com suas três insuperáveis guitarras, fosse ruim. Mas aí já é outra história. Que fica pra um outro texto.


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