terça-feira, 13 de setembro de 2022

Cinema - O Chef (Boiling Point)

DE: Philip Barantini. Com Stephen Graham, Vinette Robinson, Alice Feetham e Jason Flemying. Drama, Reino Unido, 2021, 95 minutos.

O ambiente confinado de um restaurante luxuoso se torna (ainda mais) sufocante nessa pequena joia do cinema alternativo chamada O Chef (Boiling Point). Como se já não bastasse o mérito de ser magistralmente filmada em apenas um plano-sequência, a obra ainda utiliza um ambiente de trabalho costumeiramente de grande pressão como um microcosmo realista onde frustrações, desejos, sonhos, dores, medos e alegrias se misturarão. Nesse sentido, guardadas todas as proporções, é simplesmente impossível não pensar nas nossas próprias existências e de como articulamos a necessidade diária de trabalhar, independente de nosso estado de espírito. Quantas vezes já não fomos pra labuta sendo que tudo o que gostaríamos era de ficar em silêncio, em casa, sem precisar pensar em mais nada? Emulando a exaustão da sociedade do cansaço, o diretor Philip Barantini nos lembra o tempo toda da crueldade que é imposta pela rotina. As pessoas precisam comer. Um restaurante não pode parar.

Só que o problema é que o chef Andy Jones (Stephen Graham em caracterização impressionante) tá cheio de problemas em casa. Algumas ligações ao telefone fazem com que percebamos que ele recém se separou. E, mais do que isso, de alguma forma ele tenta amenizar o turbilhão de sentimentos que envolve ainda um filho. É preciso respirar fundo, afinal, há uma noite de restaurante lotado pela frente. Na chegada ao local - o sofisticado Jones & Son -, Andy se depara com um servidor da vigilância sanitária que, após uma vistoria, aponta uma série de adequações que serão necessárias nos próximos três meses (o que faz com que a pontuação do ambiente seja momentaneamente reduzida). Só que este é apenas o primeiro problema, já que o protagonista precisará lidar ainda com problemas de logística envolvendo o fornecimento de matérias-primas, funcionários insatisfeitos além do coletivo de clientes que parecem prontos para complicar as coisas ainda mais.




É o caso por exemplo de um certo Alastair Skye (Jason Flemyng), um famoso chef de um programa de TV que, de quebra, ainda carrega a tiracolo uma temível crítica gastronômica (Lourdes Faberes). Com a câmera indo pra lá e pra cá por corredores, cômodos, espaços externos e pequenos refúgios exteriores, o diretor Philip Barantini converte O Chef em uma experiência claustrofóbica sobre um homem no limite, tentando manter a sanidade (e o equilíbrio). É o que explica por exemplo o seu ambíguo comportamento quase típico de quem sofre de algum transtorno bipolar - num instante ele está passando uma carraspana em um empregado que está com dificuldade para cortas os frutos do mar de forma satisfatória para, no momento seguinte, afagá-lo enquanto pede desculpas. Contando ainda com uma gerente nada amistosa e que pouco ajuda (Alice Feetham) e uma suis chef cheia de personalidade que está louca pra meter o louco e pedir as contas (Vinette Robinson), a noite avançará com aquela sensação de que uma tragédia estará pronta pra acontecer a qualquer momento.

Nesse sentido, o filme, baseado num curta de Barantini, tem o vigor de uma peça de teatro e o apuro técnico absurdamente naturalista de uma obra estrutura para ser filmada toda em um só take. E, de forma admirável, tudo está no lugar. Dos pratos que saem da cozinha para as mesas, dos garçons que circulam de forma calculada pelo ambiente, até chegar aos acidentes que são tão realistas que nem parecem forjados (como na hora em que Andy deixa uma panela cair). É u filme diferente, tenso em certa medida e que, ainda discute alguns temas bastante atuais, como é o caso do racismo - que parte de um cliente -, das tentativas de suicídio de um jovem empregado ou dos influenciadores digitais irritantes, que parecem prontos pra se aproveitar da situação. É tudo muito bem coreografado, controlado quase como a temperatura de cozimento de um prato requintado. O resultado é saboroso demais.

Nota: 8,5


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