segunda-feira, 19 de julho de 2021

Tesouros Cinéfilos - Intocáveis (Intouchables)

De: Eric Toledano e Olivier Nakashe. Com François Cluzet, Omar Sy e Audrey Fleutor. Comédia dramática, França, 2011, 112 minutos.

Quem acompanha o Picanha de perto talvez possa se surpreender um pouco com a grande quantidade de feel good movies, de obras com arcos narrativos edificantes ou de filmes em que predomina a visão de mundo mais otimista diante das dificuldades, que tem aparecido nesse humilde site. E, confesso a vocês, essa é uma decisão meio deliberada: sim, não esquecemos as obras alternativas, de mais profundidade, ou que se apoiem em discussões políticas, sociais e culturais mais relevantes. Mas, por outro lado, os tempos seguem pesados e, muitas vezes, especialmente no final de semana, só queremos relaxar, curtir, (tentar) sorrir. E, para que objetivos como estes sejam atingidos, obras como a francesa Intocáveis (Intouchables) seguem, com o perdão do trocadilho, intocáveis. Penso que não haja quem não goste desse filme. E os motivos não são poucos, indo do elenco carismático - François Cluzet e Omar Sy têm uma entrega comovente -, passando pelo roteiro baseado em fatos reais (e, certamente, recheado de licenças poéticas), até chegar ao desfecho satisfatório.

É, ao cabo, uma história sobre amizade, que se apoia no bom e velho clichê que coloca frente a frente duas pessoas de personalidades completamente opostas que, aos trancos e barrancos, aprenderão a conviver e a se respeitar. Um clássico do gênero, diga-se. Aqui, o filme começa com o desempregado Driss (Omar Sy) indo até a casa do ricaço tetraplégico Philippe (François Cluzet), com o objetivo de conseguir uma assinatura que lhe viabilize acessar o programa de auxílio desemprego fornecido pelo Estado. Sim, de saída a ideia dele nem é trabalhar e, sim, apenas vencer a burocracia que lhe exige uma documentação. Só que Philippe, tratado por Driss sem nenhum tipo de comiseração que a cadeira de rodas lhe poderia despertar, tem a sua atenção chamada justamente por este fato. O homem, de péssimos modos por sinal, não age com compaixão. Quer apenas o papel assinado. Pra sair logo daquela imponente mansão que lhe distancia da sua realidade. Só que ele sai de lá com uma oportunidade. Um inesperado trabalho. Que, na real, ele nem queria.

Nas minhas poucas experiências com Pessoas com Deficiência (PCDs) - e o meu trabalho na extensão rural me possibilita isso -, muitas vezes ouvi a queixa de que a privação não é sinônimo de incapacidade. Um cego, por exemplo, não está impedido de "ver" de outras formas, seja por meio de cheiros, texturas, sons. O mesmo valendo para pessoas que possuem algum tipo de limitação dos movimentos, como no caso de Philippe. Nesse sentido, ele não deixou de existir como sujeito - e é assim que Driss, mesmo sem nenhuma experiência, lida com ele. Em uma noite em que o cadeirante sofre uma forte e dolorida crise de dor, por exemplo, Driss o leva para um passeio pela madrugada de Paris, para respirar um pouco de ar, para se enxergar como alguém que vive. E para se acalmar. A terapia é a mais correta? Não temos como saber. Philippe toma, certamente, uma série de medicamentos. Como complemento, Driss lhe entrega amizade, companheirismo, compreensão, paciência. À moda dele: brigando, as turras, rindo e chorando. E conforme a película avança, vamos combinar, é impossível conter as lágrimas.

Sim, a gente sabe que Intocáveis talvez seja um filme cheio de imperfeições, de inconsistências de arroubos que tornam mais poética do que é, a vida de um homem que só pode movimentar do pescoço pra cima. Mas é quando assistimos a este tipo de material que conseguimos exercitar a empatia, a compaixão. De olhar o outro para que, no fim, também possamos olhar para nós próprios. Para nossas vidas, cheias de anseios, de desejos, de inseguranças, de medos e frustrações. E se Philippe, preso a uma cadeira de rodas, tem tudo o que o dinheiro pode pagar, Driss, por outro lado, vive naquele lado de Paris menos glamoroso, em que imigrantes se acotovelam em conjuntos habitacionais superpopulosos - e Eric Toledano e Olivier Nakache não se eximem de exibir esse tipo de contraste. Sim, a luta de Driss por uma vida melhor não o impede de enxergar as discrepâncias existentes no modelo em que está inserido. Mas naquele instante, ali, naquele recorte, ele apenas quis tornar as coisas mais possíveis para Philippe. Ele pode andar, usar os braços, as pernas, ir para onde quiser. A "riqueza" do imigrante, ao final, é outra, é maior. É uma coisa que o dinheiro dificilmente paga. E é por isso que sorrimos tanto quando os créditos sobem.

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