Faz mais ou menos uma meia década que a gente tá naquelas de "no próximo ano vai ser melhor", "daqui pra frente tudo vai ser diferente", "vamos recuperar" e, vamos falar a verdade, a coisa só piora. E 2020 surgiu de forma avassaladora pra comprovar essa tese. Pandemia, ascensão da extrema direita, preconceito, ódio, intolerância, violência, desemprego, desamparo. Falta de perspectivas para o futuro, dor, doença, assassinato. Fake news, descrença generalizada, ansiedade, paranoia, opressão, mídia seletiva, péssimo uso da tecnologia. E, nessa hora, você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com a nossa primeira lista de melhores do ano? Bom, as artes, a gente já cansou de falar por aqui, nos ajudam a enfrentar esse cotidiano tão desesperador. O cinema, o livro, uma série, uma música. Um bom disco daquele artista que amamos. Nietzsche já dizia que "a arte existe para que a realidade não nos destrua". E a minha experiência nesse ano que mais parece saído de uma distopia do George Orwell (ou do Ignácio de Loyola Brandão) foi mais ou menos essa. Encontrar na arte - essa pequena "mentira" produzida por alguma mente brilhante - uma fuga da realidade (mas de preferência, que seja tão real quanto a vida). Eis a nossa seleção de 25 Melhores Discos Internacionais de 2020, com mais quinze menções honrosas. Tem muita coisa boa aí no meio - de Fiona Apple à The Weeknd, passando por Bruce Springsteen e Taylor Swift. Boa leitura!
Menções honrosas:
38) Adrianne Lenker (Songs)
37) Sufjan Stevens (The Ascension)
36) Megan Thee Stallion (Good News)
35) Rolling Blackouts Coastal Fever (Sideways to New Italy)
34) Jessy Lanza (All The Time)
33) Real Estate (The Main Thing)
32) Matt Berninger (Serpentine Prison)
31) U.S. Girls (Heavy Light)
30) Porridge Radio (Every Bad)
28) Yves Tumor (Heaven To a Tortured Mind)
27) Soccer Mommy (Color Theory)
25) The Strokes (The New Abnormal): já vamos começar com um pedido: não deem bola pra crítica musical especializada, que coçou os dedinhos pra escrever aquela resenha cheia de má vontade sobre o novo do Strokes. Ocorre que The New Abnormal é o melhor registro de Julian Casablancas e companhia em mais de uma década. Aliás, com este trabalho eles definitivamente passam uma borracha nas bobajadas experimentais Angles (2011) e Comedown Machine (2013), para fazer aquilo que eles sabem de verdade: aquele rock enfumaçado, cheio de guitarrinhas bacanas e, agora, com efeitos eletrônicos divertidos. É um disco oxigenado, que olha com carinho para o início da carreira, para entregar músicas perfumadas, cheias de vigor e personalidade como Brooklyn Bridge to Chorus, The Adults Are Talking e At The Door. Nesse sentido, o álbum fica, para os fãs, no limite entre o nostálgico e o inovador, como se promovêssemos um reencontro com aquela banda que, num longínquo 2011, nos ajudou na nossa "formação musical". Se esse é ser o "novo anormal", bem-vindos de volta, gurizada!
24) Jessie Ware (What's Your Pleasure?): devo confessar a vocês que tive um pouco de dificuldade de "adaptação" a esta nova fase testada pela cantora. Mas depois que me habituei, gostei muito - e esse se tornou mais um dos favoritos do ano. Acostumada a um
pop de ambientações mais etéreas, eventualmente evocativas, a artista inglesa mergulhou de cabeça, em seu quarto álbum, no
revival da
disco music - aquele mesmo que presta tributo as pistas de dança, com seus globos espelhados, ambientes enfumaçados e luxo hipnótico. Dos sintetizadores setentistas de
Ooh La La - que não faria feio em algum musical do Abba -, até a elegância classuda de
Read My Lips, com sua batida harmoniosamente encaixada, o que se vê é um verdadeiro desfile em meio a bebidas destiladas, romances hedonistas e luzes neon. Leve, divertido, noturno, dançante, o álbum é a companhia perfeita para a festa caseira dos tempos de pandemia. Talvez seja a forma mais adequada de manter a madrugada efervescente.
23) Pretenders (Hate For Sale): podem deixar o ranço de lado porque o décimo primeiro álbum do Pretenders é muito bom! Composto por uma série de
rocks bem resolvidos, diretos, sem muitas firulas, o álbum faz um aceno ao material entregue lá no começo da carreira, quando a banda deu ao mundo
hits como
Brass In Pocket,
Message Of Love e
Back On The Chain Gang. Do início blueseiro com a faixa-título, ao final contemplativo com
Crying In Public, Chrissie Hynde e companhia se afastam bastante da petulância de
Alone (2016), o disco anterior, para entregar a melhor e mais divertida combinação de guitarra, baixo e bateria. Juro que fui dar o
play meio desconfiado, mas o trabalho produzido por Stephen Street me ganhou tão rapidamente quanto os 30 minutos que ele dura. Não há reparos aqui: o material é limpo, cheio de personalidade, com um frescor que o faz dialogar com aquilo que outros artistas, como Courtney Barnett - pra ficar apenas em um exemplo -, fazem nos dias de hoje. Num universo de escassez de bom e velho
rock and roll, esse retorno é mais do que bem-vindo! Ouça
You Can't Hurt a Fool, I Didn't Know When to Stop e
Didn't Want to Be This Lonely e comprove.
22) Waxahatchee (Saint Cloud): uma análise da carreira de cinco discos e dois EPs do Waxahatchee nos permite constatar que pouco restou daquela banda que surgiu no começo dessa década e que parecia apenas uma curiosa experiência musical que emulava as bandas alternativas dos anos 90. Capitaneada pela vocalista Katie Crutchfield, a banda tem passado, a cada álbum, por uma espécie de "polimento" - uma limpeza em suas melodias, em seus arranjos e no vocal, o que deixa para trás o caráter experimental e eventualmente enfumaçado dos trabalhos anteriores. Nas letras, a situação não é diferente: o amadurecimento modifica a nossa percepção, faz com que os ângulos se alterem, mesmo quando os assuntos são parecidos. Exemplo disso é o absurdamente grudento
single Hell. Peça central do álbum, equilibra com perfeição o refinamento instrumental com a letra (
E eu pairo acima, como uma divindade / Mas você não me adora, você não me adora). Mas há outros instantes sublimes - casos de
St. Cloud e
Arkadelphia, que acenam para o
folk e para o
country de sua Alabama Natal. Mas sem perder o vigor e a personalidade, claro.
21) Hayley Williams (Petals for Armor): Toda manhã eu acordo / De um sonho com você me segurando / Debaixo da água (Isso é um sonho ou uma lembrança?) / Prendi minha respiração por uma década. Quem acompanha de perto a carreira da vocalista do Paramore sabe o quão traumática foi a separação da artista com Chad Gilbert, do New Found Glory, num relacionamento de quase dez anos marcado por discussões, traições e outros escândalos. Bom, se há uma boa notícia a respeito disso, é
Petals for Armor, primeiro disco solo de Williams, e que serve direitinho como um veículo que busca exorcizar os demônios. Um belo exercício disso está na irretocável
Dead Horse, cujo trecho abre esse pequeno texto. Em linhas gerais o tema do "relacionamento com prazo de validade vencido" é meio que o fio condutor de belas canções como
Simmer, Sudden Desire e, especialmente
Roses/Lotus/Violet/Iris, que propõe uma curiosa mistura entre os escoceses do Travis e a islandesa Björk. Já a otimista
Over Yet parece algo que a Madonna poderia ter feito em algum lugar de sua carreira. Bom, as referências são diversas. E o resultado é lindo.
20) The 1975 (Notes on a Conditional Form): acho que a crítica foi meio unânime quando o assunto foi a megalomania e a autoindulgência do quarto disco dos ingleses. Sim, se a
hypada banda de Matty Healy tivesse optado por uma abordagem mais enxuta, talvez tivéssemos diante do grande álbum desse estranho 2020 - e não esse disco meio ambicioso e inchado, composto por 22 músicas e 120 minutos de duração, cheio de penduricalhos excessivos e instantes desnecessários, ainda que o componente político seja vital nesse caso. Só que o "problema" do trabalho é que os momentos bons não são apenas bons: são sublimes.
Guys, por exemplo, uma rara carta de amor aos amigos em formato de canção, talvez seja a melhor e mais melodiosa música do ano - isso sem falar na letra (
No momento em que começamos uma banda / Foi a melhor coisa que já me aconteceu). Outras músicas como a solene e intimista
Jesus Christ 2005 God Bless America, a noventista e curvilínea
Tonight (I Wish Was Your Boy) e o hardcore melódico
Me & You Togheter Song, fazem valer o investimento. Tem mais joias lá no meio. Quem se prestar a escavar, será recompensado.
19) Neil Young (Homegrown): finalmente um disco do Neil Young para os fãs chamarem de "seu". Sim, porque por mais que as intenções de trabalhos recentes como
The Monsanto Years (2015) ou
Colorado (2019) fossem nobres, o que se sobressaia era um artista que parecia repetir fórmulas num
country excessivamente autocomiserativo e cansado. Aqui, não. A diferença é que este pode ser considerado um tipo de registro "perdido" do canadense que, em 1974, foi praticamente abandonado após a gravadora Reprise ter se mostrado bastante insatisfeita com os resultados alcançados pelo melancólico e sombrio
On The Beach (1974). Resgatado das cinzas - foi gravado em um chatô em algumas noites bêbadas de Los Angeles -, o álbum se revela como uma experiência taciturna e ensolarada em igual medida, capaz de equilibrar momentos mais introspectivos, como na abertura com
Separate Ways, com outros mais otimistas, caso de
Try. É um Neil Young que evoca tempos de
Zuma (1974) e de
Comes a Time (1978), duas das obras-primas que estão entre as favoritas, para lembrar que o veterano de 74 anos ainda sabe brincar de fazer clássico.
18) The Cribs (Night Network): vamos combinar, o Cribs nunca lançou um disco ruim ou que não ficasse pelo menos na média. Só que o que coloca esse oitavo registro uma nota acima dos demais, parece ser não apenas o amadurecimento - da sonoridade, das letras -, mas também uma sofisticação que parece os aproximar muito mais de um
Animal Collective do que de um
Weezer. Não que o
rock direto, cheio de ganchos, de paisagens
pop, de falsetes e de melodias grudentas não esteja lá, mas o caso é que o registro parece se espalhar de forma menos apressada, mas nunca morosa, taciturna. É como aquele sujeito que está beirando os 40 anos - caso dos integrantes da banda -, mas não deixa de se divertir. Exemplo disso está na ótima
I Don't Know Who I Am, com seu refrão que mergulha em meio a ambientações barulhentas de guitarras e efeitos eletrônicos. O expediente é repetido em outros momentos, como no caso da abertura com
Goodbye, nas reflexões românticas e cotidianas de
Under The Bus Station Clock e mesmo nos instantes mais urgentes, caso de
Siren Sing-Along e, especialmente,
Never Thought I'd Feel Again, talvez a melhor canção do registro. Vale cada segundo!
17) Dua Lipa (Future Nostalgia): Don't show up / Don't come out / Don't start caring me about now. Sim, a gente sabe que o
megahit Don't Start Now tocou à exaustão em tudo quanto é lugar, mas é preciso reconhecer que o segundo trabalho de Dua Lipa vai muito além da grudenta canção. Especialmente pelo fato de ele simbolizar uma espécie de movimento que ganhou força em 2020 e que dá uma repaginada na onda retrô/disco, injetando personalidade ao estilo, perfumando-o com pinceladas de modernidade, como se a era dos memes (e do
Tiktok) também pudesse ser dançante à moda das lantejoulas, das pantalonas e de outras extravagâncias oitentistas. Aqui e ali é possível encontrar ecos de artistas variadas, como Madonna e Olivia Newton John que, a seu tempo, também quebraram regras, sem esquecer da diversão.
Levitating, por exemplo, parece saída daquele set que o DJ invoca pra agradar todo mundo na pista - do tiozão à própria formanda. "
Espero que esse disco traga felicidade, faça sorrir, faça dançar", disse em seu Instagram quando do lançamento, no final de março, quando a pandemia recém dava as caras. Certamente ajudou.
16) Caribou (Suddenly): vamos combinar que se tem alguém que lança disco BOM é o canadense Daniel Snaith - que responde pelo nome artístico de Caribou. Não é por acaso que cada um de seus registros, cheios de curvas eletrônicas sinuosas e efeitos multicoloridos e psicodélicos, é aguardado com carinho pelos fãs - e não é diferente com este
Suddenly, o oitavo trabalho da carreira. Deixando um pouco para trás a urgência do anterior
Our Love (2014), Caribou investe agora um pouco mais na economia e nas ambientações oitentistas e até primaveris - como comprova o ótimo single
You and I. Claro que o espectro eletrônico sempre bem produzido, polido, não é deixado de lado e o disco conta com uma série de efeitos,
loops e barulhinhos que divertem ao mesmo tempo que funcionam organicamente. É um disco que não é hermético, fechado ou homogêneo. Aliás, em alguns instantes chega a ser docemente pop - como na irresistível
New Jade -, ainda que flerte o tempo todo com estilos variados como
hip hop, EDM,
soul e até
rock. Mais um daqueles que vale ser descoberto.
15) The Weeknd (After Hours): os tempos de coronavírus são tão estranhos que, em meio à pandemia, o The Weeknd lançou APENAS o seu melhor disco. Como se juntasse todas as referências e experiências testadas anteriormente em uma coisa só, o artista parece alcançar a maturidade com este
After Hours. Hedonista, soturno, dançante, quente... o trabalho que dá sequência ao mediano
Starboy (2016), impressiona pela facilidade com que trafega entre um estilo e outro, convidando o ouvinte para acalentar o coração com gemas
pop como
Hardest to Love, que mistura R&B e música romântica dos anos 80 com inacreditável sofisticação, ou mesmo
In Your Eyes, que parece prontinha pra se expandir em um tipo de psicodelia à moda de um Michael Jackson. Mas absolutamente NADA se compara à
Save Your Tears: com sua letra abusadamente melancólica (
Você poderia ter me perguntado por que eu parti seu coração / Você poderia ter me dito que desabou / Mas você passou por mim como se eu não estivesse lá), produção limpíssima e sintetizador vibrante, é uma das grandes músicas do ano, resumindo o espírito que rege o ótimo registro. Vale ouvir!
14) Amaarae (The Angel You Don't Know): se tem algo que me deixa fascinado na música moderna é a capacidade que algumas bandas/artistas têm de se apropriarem de algum estilo já clássico para reconfigurá-lo em algo "novo", injetando personalidade e frescor àquilo que nos acostumamos a ouvir. Tendo como base o R&B de batidas econômicas, vocais sussurrados e efeitos limpos, essa artista que nasceu em em Nova York mas tem origem ganesa, faz o intercâmbio perfeito entre América e África - o que dá força a sua estreia. De
hip hop ao
soul, passando pelo
trap e pelo
afropop, o disco é tão sedutor quanto iluminado. Peça central desse amálgama, a espetacular
JUMPING SHIP fala de relacionamentos de forma metafórica e crua, enquanto um dos refrãos mais grudentos e coloridos do ano nos faz mergulhar em algum ponto da África Central. Outras canções como
SAD GIRLZ LUV MONEY, FANCY, CÉLINE e
HELLZ ANGEL, repetem o expediente, transformando
The Angel You Don't Know numa mistura divertida bem adequada a quem curte artistas como SZA, Vampire Weekend ou Miguel.
13) The Killers (Imploding The Mirage): de saída vamos deixa uma coisa bem clara e estabelecida: fora o equivocado Battleborn (2012), o The Killers só lançou coisa boa. E não sei se vocês estão preparados pra essa conversa. Não por acaso em todos os demais registros o pop oitentista de arena, com algumas dúzias de sintetizadores e aquele estilinho retrô/cool/sofisticado meio guitarreiro, foi o que nos fez amar canções variadas como Mr. Brightside, When You Were Young, Bones, This Is Your Life e Spaceman. E a boa notícia é que nada mudou neste novo trabalho, cheio de canções melodiosas, incandescentes, festivas. O que para os fãs é uma baita notícia! Mais experiente, a banda atualiza seu modus operandi - e suas letras, mais maduras -, conferindo personalidade até em canções que parecem claramente "surrupiadas" de outras épocas - caso por exemplo de Fire In Bone, que não faria feio num álbum como Lodger, do David Bowie. No mais é o Killers de sempre, que aprendemos a amar em 2004 e que, mais de quinze anos depois, seguimos amando como se a paixão estivesse apenas começando. Manda mais que tá pouco.
12) Bruce Springsteen (Letter To You): é impossível não pensar em "nostalgia" como uma palavra-chave quando escutamos o vigésimo disco da carreira do
boss. Aos 71 anos e em plena pandemia ele fez um álbum de
rock direto, sem firulas, classudão, que funciona quase como um carinho aos fãs do começo da carreira - que se acostumaram a cantar seus maiores
hits em estádios mundo afora. Não é por acaso que maravilhas roqueiras como
House Of a Thousand Guitars, Rainmaker, Ghosts e
Burnin' Train mais parecem saídas de algo que poderia se situar entre discos clássicos como
Darkness On The Edge of Town (1978) e
Tunnel Of Love (1987). "
Apenas tento encontrar a energia para tornar minha música atual e relevante neste momento. Acho que, se você mantiver o foco e o espírito no que está fazendo, continuará relevante", afirmou em entrevista ao NY Times. Morte, memória, fantasmas do passado, esperança por dias melhores, legado, dores e incertezas. Está tudo lá, formatado em 12 canções tão grandiosas quanto pegajosas. A crítica tem celebrado o registro como o melhor dos últimos 20 anos de carreira. Estamos tentados a concordar.
11) Chloe x Halle (Ungodly Hour): se tem um tipo de música meio irresistível pra mim é o R&B classudo, algo que a dupla Chloe e Halle Bailey faz de forma destemida, enquanto busca o seu lugar ao sol. Um pouco diferente daquilo que haviam feito no inaugural
The Kids Are Alright (2018) - um pouco mais ensolarado, espontâneo -, aqui, as artistas acenam para o
soul, para o
hip hop e para o blues como uma espécie de atestado de maturidade prévia, de algum tipo de evolução que as desloca para além do rótulo de "apadrinhadas da Beyoncé". Exemplo dessa evolução está na assombrosamente deliciosa
Wonder What She Thinks Of Me, que tem melodia elegante, batida limpa e um refrão que já entra direto na categoria "mais pegajosos do ano". No limite entre aquilo que as Supremes faziam nos anos 60 e o que Brandy & Monica reproduziriam nos anos 90, a dupla oxigena o estilo, como comprovam verdadeiras gemas
pop, como
ROYL, Forgive Me e a faixa-título, além da espetacular
Don't Make It Harder On Me, mais uma candidata para a lista de músicas do ano.
10) Creeper (Sex, Death & The Infinite Void): sim, é lugar comum, a gente sabe, mas bandas como o
Creeper nos fazem acreditar que o
rock respira. Direto, com pouco espaço para firulas, o segundo álbum do coletivo inglês faz um aceno para a ceninha
hardcore melódico dos anos 90, ao mesmo tempo que injeta personalidade a um estilo que pouco tem surgido nos últimos anos. E confesso que fui ouvir não dando muito, mas quando vi já tava cantando junto o refrãozinho pegajoso de
Annabelle e me divertindo com a consistência melódica e a letra romanticamente niilista de
Napalm Girls -
Deus está morto (e nos conhecemos em um momento estranho de minha vida). Admitido pela própria banda, o novo projeto é bem menos sombrio que o anterior, ainda que as referências do gótico, do punk e do emo surjam, aqui e ali, em cada curva, seja ela mais movimentada (
Be My End) ou mais introspectiva (
All My Friends). "
Gravamos esse disco em Hollywood, não numa garagem qualquer", admitiu o vocalista Will Gould, em entrevista ao semanário New Musical Express. O resultado vale a pena.
9) Rina Sawayama (SAWAYAMA): a mistura curiosa de nü metal com R&B dos anos 90 pontuado pela mais moderna música eletrônica faz com que SAWAYAMA seja um álbum que demore um pouquinho pra te conquistar. O que não chega a ser exatamente um problema. Do estranhamento inicial - especialmente pelo excesso de barulhos, guitarras distorcidas, efeitos, tensões -, até à familiaridade das batidas que serviriam perfeitamente aos inferninhos mais descolados, o passeio é divertido, excêntrico, curioso. Peça central dessa mistura, o single
STFU se equilibra em algum limite capaz de misturar Evanescence com algo tipo uma Britney Spears furiosa - condição que é complementada pela autoexplicativa letra (
Você já pensou em calar a boca como faço tantas vezes?). E mesmo em momentos mais "doces" (como na ensolarada
Paradisin') há espaço para peso, empoderamento e as mais variadas experimentações. Se ainda houver desconfiança, experimente
Bad Friend, Tokyo Love Hotel e, especialmente, a pegajosa
Chosen Family, talvez a música do ano. Não haverá arrependimentos.
8) Perfume Genius (Set My Heart On Fire Immediately): vamos combinar que, a despeito da pandemia (ou talvez até mesmo por causa dela), o ano musical foi espetacular. Foram muitos os "discos do ano", quase toda a semana, repetidamente - os mais chegados sabem da brincadeira que faço, sobre isso, nos histories do meu Instagram pessoal. E o quinto registro do Perfume Genius - o nome por trás dela é o do artista Mike Hadreas -, entrou nessa leva, com um trabalho que parece condensar o que de melhor o cantor sabe fazer: músicas climáticas, que se alternam entre momentos grandiosos, soturnos, delicados e alegres em igual medida. É possível, por exemplo, se aprofundar em divagações contemplativas, como na sublime
Moonbend, para no instante seguinte se divertir com o balanço curvilíneo de
On The Floor. Trata-se de um álbum que cresce a cada audição, feito pra ser degustado com calma, sem pressa, que vai se desnudando (e nos surpreendendo) aos poucos, conforme se alternam os instantes mais econômicos, com outros mais expansivos. Comece escutando
Without You. E depois vá pra
Your Body Changes Everything. Não haverá arrependimentos.
7) Travis (10 Songs): os detratores do Travis costumam dizer que não gostam da banda porque eles lançam sempre o "mesmo disco" - e eu como fã de Fran Healy e companhia só posso dizer: QUE BOM. O ano de 2020 já teve coisa estranha o suficiente e não pode haver nada mais aconchegante do que encontrar conforto naquele tipo de álbum que a gente sabe exatamente como vai ser: calmo, com um tipo de placidez evocativa, com o instrumental e os arranjos flutuando de forma harmônica, leve, convidativa. Aliás, até o nome do registro é econômico. Não parece, mas os escoceses já estão há mais de 25 anos na estrada e nove discos depois a última coisa que eles querem é grandes invencionices. Assim, o resultado é um conjunto de músicas mais Travis do que o próprio Travis.
Butterflies, por exemplo, equilibra a doçura da melodia com o melhor refrão do trabalho, ao passo que
A Million Hearts tem pianinho à moda
The Man Who. Há ainda outras gemas:
Waving at the Window, Nina's Song, A Ghost... é só dar play. Quem gosta dificilmente se decepcionará.
6) Phoebe Bridgers (Punisher): As farmácias ficam abertas a noite toda / A única razão verdadeira que fez eu me mudar para o lado Leste. É uma contadora de histórias maravilhosa essa americana e, talvez, num primeiro momento, a gente não perceba o potencial arrebatador existente por trás de sua voz sussurrada e de seu violão de pulsações econômicas. E, sim, por mais que isso não seja tão convencional nos dias de hoje - nesses dias corridos que vivemos - a apreciação completa desse segundo álbum da compositora se dá com as letras a tiracolo. O trechinho que abre esse pequeno texto, por exemplo, está na lindíssima faixa-título, e resume de forma bastante metafórica a maneira encontrada para tentar amenizar as dores do mundo. Sim, os temas não são novidade: romances inadequados, frustrações de jovens adultos, sentimentos que parecem querer gritar. Talvez nem a forma seja algo necessariamente inédito. Mas Bridgers brinca com as palavras, cruza referências, amontoa citações, conecta geografias e fala de temas tão comuns a todos nós de uma forma divertidamente melancólica. Um trabalho autêntico, hipnótico e (quase) cinematográfico.
5) Laura Marling (Song For Our Daughter): em toda a sua carreira, Laura Marling sempre teve a capacidade de "aconchegar" o ouvinte em sua música. O tom de voz um pouco mais baixo, o dedilhado nas cordas, um efeito sutil encaixado aqui, outro ali: mesmo quando o tema de suas canções é mais áspero, mais duro, ela parece sempre disposta a transformar seus versos (e melodias) em peças que confortam e que pareçam acenar para a estabilidade, mesmo em um cenário caótico. Já havia sido assim com discaços como
I Speak Because I Can (2010) e
Semper Femina (2017). É assim com este maduro sétimo álbum de estúdio. Funcionando como uma espécie de carta para uma suposta filha que ainda não existe, a artista canta sobre abandono (
Held Down), capacidade de resignação (
Only The Strong) e sobre memórias e ações que nos moldam (na faixa título). "E
sse álbum é essencialmente um pedaço de mim", afirmou a cantora em entrevista ao semanário New Musical Express. Bom, agora é também um pedaço de todos nós.
4) Boniface (Boniface): em tempos amargos como os que vivemos - de pandemia, de avanço de uma agenda reacionária, de escassez de recursos e de paranoia - é sempre bom descobrir um artista novo que ainda nos faça sorrir e é esse o caso desse canadense que, vamos combinar, chegou chegando. Seu homônimo álbum de estreia é uma daquelas belezuras
pop que carregam nos sintetizadores, nas tintas otimistas e nos refrões pra cantar junto. Lembrando uma variação do The Killers misturado com o M83, o artista - cujo nome é Micah Visser -, injeta uma boa dose de personalidade naquilo que a gente já viu muita gente fazer: uma coleção de músicas dançantes, líricas, catárticas. Nas letras se sobressai o tema geral do abandono da vida frugal nas pequenas cidades para a busca por novos horizontes em outros espaços, que representarão maturidade, crescimento - como comprova a ótima
Stay Home (
I dream about you in that old home / It's been forever since I forgot you / They say that Jesus has a plan for us / But it seems sloppy to me), uma das prováveis melhores músicas do ano. Vale demais.
3) Taylor Swift (Folklore): foi totalmente de surpresa que a artista lançou seu oitavo disco - e já tá ficando meio repetitivo dizer que cada álbum dela é uma verdadeira coleção de grandes canções
pop. Cheio de músicas maduras e bem arranjadas, o trabalho foi todo composto durante a pandemia e contou com a colaboração de Aaron Dessner do
The National - a ambientação soturna está lá, naqueles pianinhos bem encaixados, melancólicos, que resultam em uma estética mais introspectiva, que parece deixar pra trás os tempos movimentados de
Blank Space ou
Shake It Off. É claro que isso não significa falta de energia: olhar para si próprio numa nota mais baixa, avaliar o entorno, tatear o desconhecido, também pode ser reflexo dos tempos duros que vivemos, condição ecoada por letras como a da dolorida e bela
My Tears Ricochet -
E eu posso ir a qualquer lugar que eu quiser / Qualquer lugar que eu quiser, apenas não em casa -, que surge logo depois de um dueto com Justin Vernon (o Bon Iver), na belíssima
Exile. Bom, credenciais não faltam. É só você aceitar a grandiosidade de uma artista que, aos 30 e poucos anos, só melhora a cada lançamento.
2) Fiona Apple (Fetch the Bolt Cutters): desde que foi lançado o quinto disco da norte-americana, a crítica foi praticamente unânime em celebrar
Fetch the Bolt Cutters como o álbum do ano (e só não foi também aqui no Picanha, porque o registro das meninas do
HAIM consegue ser ainda mais foda!)! Sobre o trabalho de Fiona, trata-se de um tipo de material raro, que condensa todas as experimentações testadas pela artista anteriormente, em uma coleção de músicas caóticas mas divertidas, experimentais mas acessíveis. Anárquica, Fiona adota a entropia como
modus operandi, nos fazendo navegar por paisagens sonoras que saltam do piano delicado para a percussão nervosa em segundos - com o seu vocal (e o de seus cachorros) também servindo para a criação de melodias únicas, nunca óbvias, mas sempre instigantes. É aquele tipo de disco para ouvir, ouvir e ouvir e ir descobrindo, a cada nova audição, algum novo elemento, algum outro encaixe, uma diferente quebra de lógica - sendo o todo complementado pelas letras sarcásticas, debochadas, que tornam tudo ainda melhor. Quem quiser testar pode começar por
Cosmonauts, Shameika ou
Ladies. Vai ser uma bela porta de entrada.
1) HAIM (Women In Music Pt. III): acho que se fosse possível definir o mais recente disco das meninas do HAIM com apenas uma palavra, esta poderia ser "primoroso". Por que não se trata apenas de um trabalho com produção ainda mais caprichada do que aquela vista nos dois registros anteriores -
Days Are Gone (2013) e
Something to Tell (2017) -, há também as arestas sendo aparadas, com o trio mais a vontade para trafegar em meio as influências diversas, que podem ir do
rock and roll perfumado (
The Steps), passando pelos anos 80 classudo (
Another Try), até chegar no
pop de emanações
country mais ensolaradas de gemas como
Leaning On You. Nas letras, em meio a curvas imprevisíveis que trafegam entre o
jazz e a percussão africana - pode pintar até um barulho aleatório de despertador ou alguma outra trucagem eletrônica lá no meio -, os temas variam de paternalismo no mundo da música e relacionamentos abusivos até chegar, obviamente, à importância da sororidade. É música com personalidade, madura, ousada e absurdamente divertida de se ouvir. Não tinha como não ser, com justiça, o nosso disco do ano.
Gostaram da lista? Ou faltou alguém? Sim, a gente tem certeza de que deve ter faltado porque este foi um ano espetacular em lançamentos internacionais. Então não deixe de nos dizer quais os seus preferidos! E se vocês curtem listas, não deixem de conferir as dos anos anteriores -
2019,
2018,
2017,
2016 e
2015. Boa leitura!
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