De: Rodrigo de Oliveira. Com Johnny Massaro, Renata Carvalho, Victor Camilo e Clara Choveaux. Drama, Brasil, 2021, 105 minutos.
[ATENÇÃO: ESSE TEXTO TEM SPOILERS]
E por mais melancólico que seja esse instante, isso não significa que o filme de Rodrigo de Oliveira seja totalmente pessimista. Claro, não há necessariamente espaço para a euforia exacerbada em uma obra que volta no tempo - mais precisamente para o período que vai de 1982 a 1984 -, para tratar dos primeiros casos de contaminação pelo vírus da AIDS, no Brasil. Mas ainda assim o realizador evita a pieguice óbvia que poderia vir à tiracolo do sofrimento para, de alguma maneira, empoderar as primeiras pessoas que tiveram de enfrentar a doença desconhecida. Em uma época em que a informação era pouca, a AIDS chegou a ser tratada como a "peste gay" naqueles tempos. O que estigmatizaria o público LGBTQIA+ - aliás, algo que permanece até hoje em certos estratos. Nesse sentido, Oliveira propõe uma espécie de resgate dessas pessoas, desses corpos, desses indivíduos, conferindo-lhes autonomia. Sim, não é tarefa fácil um filme sobre esse tema sem uma cena sequer de hospital. Ou da transmissão da doença em si. Oliveira consegue.
Dessa maneira, o diretor opta pelo processo silencioso e de sutilezas. Suzano é um estudante que mora na França e está de volta ao Brasil para visitar a irmã (Clara Choveaux) e o já citado sobrinho na véspera da virada do ano, de 1982 para 1983. É nesse contexto que a gente consegue perceber que há alguma coisa "no ar", seja no olhar melancólico, seja na incerteza quanto ao futuro. Sua irmã informa sobre Rose (Renata Carvalho), uma travesti amiga de Suzano, que se apresentará naquela noite. O trio central é completado por Humberto (Victor Camilo), cinegrafista amador que acompanha Rose para a produção de um filme. A madrugada de Ano Novo se pretende feliz - um período de esperança, de renovação, de amor e de fuga (ainda mais em um contexto de Ditadura Militar, que finalmente se aproximava do fim). Um salto no tempo nos levará para os oito meses mais tarde, onde os personagens se encontrarão em outro cenário, em uma casa isolada no meio do mato. Nem todo mundo saberá do paradeiro daquelas pessoas.
"A experiência que eu tive com o HIV/AIDS quando estava crescendo tinha a ver com o desaparecimento. Já era no meio dos anos 1990, mas você ia à boate num dia, e dois meses depois, a pessoa não estava mais ali, e você sabia o que tinha acontecido. A história da crise da AIDS envolve uma crise de nomenclatura. O governo brasileiro falou a palavra AIDS pela primeira vez em 1986, mas a AIDS matava pessoas há quatro anos", destacou Oliveira em entrevista ao site Papo de Cinema. Assim, na construção da obra, o diretor aposta no componente afetivo, de "abraçar a doença" - o que vem a reboque dos próprios registros feitos pelos personagens enquanto encaram as consequências desta. Há dor mas há acolhimento em igual medida. Com ótimas interpretações, especialmente de Renata Carvalho, o filme conta com um sem fim de referências culturais cruzadas - de Jean Genet à Um Bonde Chamado Desejo. Já a obra dentro da obra - no caso a filmagem de Humberto - utiliza a própria metalinguagem para fortalecer o discurso. "Eles tentam nos matar desde que o mundo é mundo" lembra Rose em certa altura. Sim, o debate político surge pelas frestas. E é mais do que bem-vindo.
Nota: 8,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário