quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Cine Baú - Veludo Azul (Blue Velvet)

De: David Lynch. Com Kyle MacLachlan, Laura Dern, Isabella Rossellini e Dennis Hopper. Drama / Suspense, EUA, 2022

Uma rua tranquila de uma cidadezinha de interior. As cercas de madeira brancas de uma casa. As rosas no jardim. Um vizinho que molha o gramado verdíssimo. A tranquilidade provinciana que sugere certa calma. Nada parece abalar aquele universo tão inocente, tão sereno em que um cachorro bebe água diretamente de uma mangueira. Mas será mesmo? Na história do cinema não foram poucas as obras que jogaram alguma luz sobre a hipocrisia da classe média que, em muitos casos, joga pra baixo do tapete os seus segredos - muitos deles comprometedores. Em Veludo Azul (Blue Velvet), de David Lynch, o senso de normalidade é quebrado quando Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) retorna à pequena Lumberton para visitar seu pai que está hospitalizado. Só que em meio a uma prosaica caminhada em um terreno baldio o rapaz encontra uma orelha humana decepada e em processo de decomposição.

Intrigado, Jeffrey procura o delegado local para relatar o ocorrido. Claramente há algo por baixo dessa superfície tão certinha - e que a alegórica imagem de um grupo de formigas revolvendo a terra evidencia de uma forma nem tão sutil. No caminho para casa, o protagonista é interpelado pela jovem Sandy Williams (Laura Dern) que afirma que o mistério tem algo a ver com uma certa cantora de cabaré chamada Dorothy Valens (Isabella Rosselini), o que desperta a curiosidade do rapaz. Como se fossem uma dupla de detetives sem nenhuma experiência, ambos resolvem investigar o caso por conta própria - o que envolverá a invasão do apartamento de Dorothy. As descobertas serão aterradoras, a partir da entrada em cena de um perverso psicopata de nome Frank Booth (Dennis Hopper) que mantém o marido e o filho da cantora em cativeiro, enquanto a utiliza para satisfazer as suas sádicas perversões sexuais.



Onírico, perturbador, eventualmente grotesco, Veludo Azul é daqueles filmes que geram desconforto nos espectadores mais impressionáveis. A sequência em que Booth violenta Dorothy por longos minutos, enquanto Jeffrey os observa, paralisado, do armário, é brutal e excêntrica em igual medida. De posse de um equipamento de gás do riso - do qual é viciado - o atormentado psicopata age como um predador do submundo, gargalhando na hora errada, enquanto abusa da cantora. Como espectadores somos confrontados por esse voyeurismo bizarro que emerge da união entre sexo e violência, com tudo se tornando ainda mais estranho a cada vez que a singela canção título, de autoria de Bobby Vinton, aparece, com sua melodia de romance dilacerante e letra de paixão comovente (Ela vestia veludo azul / Mais azul que o veludo só a noite / Mais suave que o cetim só a luz das estrelas).

Tecnicamente vibrante, a obra utiliza a sua fotografia, o desenho de produção e os elementos do cenário para evidenciar os contrastes que envolvem aqueles que acompanhamos. O apartamento de paredes vermelhíssimas de Dorothy, por exemplo, evoca a paixão e a dor que decorrerão do sangue derramado nesse universo de abusos - um paradoxo aos tons cinzas de neo noir evocados pelas noites sombrias. A sensação eventualmente parece ser a de sonho - mas um sonho bizarro que se assemelha a um pesadelo (e que se tornaria, de alguma forma, a marca registrada de boa parte da filmografia de Lynch). As soluções não serão fáceis, há toda uma tensão no ar. Mas a construção do suspense é sinuosa, indo no limite da esquisitice como matéria-prima pra esse "mundo estranho" em que todos se encontram, como lembra Sandy em mais de uma oportunidade. Vale revisitar na Amazon Prime.


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