Em meio a entradas aleatórias no chatroulette e às perdas de tempo sucessivas em sites de compras de objetos meio inúteis - que ele amontoa em um canto da casa e que serão a desculpa perfeita para parte dessas visitas à terceiros (os lugares habitados, afinal, parecem ainda mais curiosos, mais interessantes, menos previsíveis) - ele conhecerá Carla, uma mulher mais jovem que, se comparada a Savoy, parece saída de outra dimensão. Carla é o completo oposto: conectada, tecnológica, participante ativa de uma geração em que a internet move a vida, as relações, os hábitos e os comportamentos. Trabalhando como house sitter - que é a pessoa que cuida das casas, dos animais, das plantas e da organização dos ambiente enquanto os demandantes viajam -, a jovem é a Geração Z desenhada. Não cria laços. Não estabelece vínculos afetivos intensos. Suas "raízes" são o mundo, que é o local a que ela pertence. Assim como ela está em Buenos Aires nessa semana, pode estar em Paris semana que vem. Em Tóquio na outra.
Só que um romance um tanto fugaz com a jovem servirá para bagunçar a vidinha mundana de Savoy. Sumindo de sua vida sem muita explicação, Carla lhe deixa apenas uma touca e um óculos de natação - o exercício o ajuda a extravasar, ao menos em partes, os seus impulsos - e o seu contato para que ele possa se conectar a ela via skype. O que ela fará na medida do possível, em horários marcados, entre uma viagem e outra (mas desde que o jet lag não atrapalhe). Para Savoy essa relação cibernética, pixelada, em meio a conexões difíceis, delays insuportáveis, mensagens fragmentadas e instabilidades na transmissão serão apenas angustiantes, sufocantes. Como, afinal, substituir o calor da presença amorosa, do abraço aconchegante, do acolhimento que é condição básica de um relacionamento, pela necessidade da virtualidade na hora de sustentar uma história de amor? É possível superar as diferenças geracionais e a paixão mediada pelas máquinas?
Com uma narrativa vigorosa, repleta de frases longas, separadas por vírgulas, em sentenças intermináveis, Pauls parece brincar, inclusive com os limites da linguagem digital, formando uma leitura hipertextual de idas e vindas, de fluxos de consciência e de ideias encadeadas com um ordenamento tão poético quanto eloquente. Intercalando instantes mais divertidos, com um senso de humor debochado e nonsense - a parte em que o protagonista detalha situações cotidianas do ambiente da piscina ("o ódio que lhe dava, ao sair do banho, que a regata lhe opusesse resistência, que os pés lutassem com as pernas da calça, que as meias nunca calçassem por completo") é ótima -, com outros mais melancólicos e sufocantes, como naqueles em que ele vai se deparando com a raiva que emerge pela displicência de Carla, tornam a leitura do livro uma experiência moderna, que discute relações na contemporaneidade e mesmo imaterialidade da existência no Século 21 de forma inteligente, hipnótica e imprescindível. Talvez a melhor leitura do ano. E uma das melhores da vida.
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