terça-feira, 7 de março de 2017

Cine Baú - Psicose (Psycho)

De: Alfred Hitchcock. Com Janet Leigh, Anthony Perkins, Vera Miles e John Gavin. Suspense, EUA, 1960, 108 minutos.

Poucas vezes o conceito de plot twist - a famosa mudança radical ou inesperada na narrativa - foi tão bem empregado na história do cinema, como no clássico Psicose (Psycho), dirigido por Alfred Hitchcock em 1960. E TAMBÉM por isso, a obra-prima protagonizada por Janet Leigh e Anthony Perkins consiste-se em uma das mais inesquecíveis e engenhosas tramas de todos os tempos. Normalmente lembrado pela "cena do chuveiro" - aquela em que a protagonista Marion Crane (Leigh) é brutalmente esfaqueada por uma enigmática figura que aparenta ser a idosa que administra o hotel ao lado do filho -, o filme é tão rico do ponto de vista psicológico, tão surpreendente no que diz respeito a sua edição e a seus arcos dramáticos, que o próprio Mestre do Suspense aparecia antes dos créditos iniciais da película, com o objetivo de solicitar aos espectadores que não revelassem as surpresas do roteiro àqueles que ainda não haviam visto a obra.

Ainda que a recepção da crítica tenha sido morna na época, Psicose viria a se tornar um marco - com direito a quatro indicações ao Oscar. O filme começa com Marion roubando 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha, com o objetivo de, aparentemente, se juntar ao namorado em um plano que não fica muito claro para o espectador. Com a intenção de fugir de um desconfiado policial e tentando não deixar rastros, a protagonista entra em uma estrada alternativa, onde, após passar por uma forte tempestade, vai parar no famoso Bates Motel. Lá, ela é amistosamente recebida pelo gerente, um jovem simpático que responde pelo nome de Norman, que lhe acomoda no quarto que fica junto à recepção. Ainda que os modos de Norman pareçam afáveis, há algum mistério no ar: sensação que se acentua quando a protagonista escuta uma forte discussão entre ele e aquela que parece ser a sua mãe, que vive em uma espécie de casarão que fica junto ao hotel.



E é justamente ao pensarmos que a trama girará em torno da procura da polícia pela "fugitiva" - que pretende aplicar o golpe durante um final de semana -, que ocorre a primeira, genial e inesperada virada: é o momento em que Marion morre assassinada na já citada cena do chuveiro. Que ideia é essa de matar a protagonista com pouco mais de 40 minutos de filme, é o que TODOS que assistiram o filme na época - e assistem até hoje - pensam, ao presenciar a sequência. Ignorando a importância dos 40 mil dólares (tudo vai, literalmente, por água abaixo no plano de Norman para acobertar as ações da mãe), Hitchock dá um giro de 360º na trama e passa a centrar a ação na busca dos parentes de Marion - o namorado Sam Loomis (John Gavin) e a irmã Lila (Vera Miles) - pelo seu paradeiro. O que inclui uma frustrava incursão do detetive Milton Arbogast (Martin Balsam), no mesmo hotel.

Rico não apenas em sua trama elaborada, mas também na atmosfera de suspense construída, o filme ainda sufoca o espectador ao mostrar cada canto ou mesmo os cômodos do hotel como espaços muitas vezes pequenos, precariamente iluminados e claustrofóbicos - e, nesse sentido, é praticamente impossível não sentir calafrios quando, por exemplo, Norman espiona Marion por um pequeno buraco que dará em seu quarto. A sensação onipresente de mistério em relação as ações da "dupla" que administra o hotel é ampliada não apenas pelo comportamento estranho e aparentemente esquizofrênico de Norman, mas também pelo senso de autopiedade que envolve as curiosas interações deste com a mãe - uma mulher superprotetora, mas tomada por sentimentos ameaçadores em relação ao filho, que sempre parece disposto a atender os desejos da genitora. Todo este contexto, ainda é reforçado pela trilha sonora absolutamente inesquecível e icônica concebida por Bernard Hermann.


Lançado em 1960, Psicose foi o símbolo de uma das fases mais férteis de Hitchcock, que vinha de dois grandes sucessos de crítica - Um Corpo Que Cai (1958) e Intriga Internacional (1959) - e ainda lançaria mais adiante Os Pássaros (1963), outro clássico muito querido pelo público. Escolhido o 18º melhor filme estadunidense da história, em lista elaborada em 1998 pelo American Film Institute (AFI), o filme, com seus ângulos de câmera oblíquos (como na cena em que Perkins masca um chiclete diante do delegado que lhe interroga), suas trucagens cênicas (como no caso do rosto "escurecido" de Lila, diante de uma má notícia) e sua fotografia em um irrepreensível preto e branco (proposital, para não chocar as plateias), ainda é objeto de estudo em centenas de salas de aula mundo afora, sempre capazes de se surpreender com o brilhantismo dos procedimentos adotados pelo diretor inglês. Se você ainda não é um adepto dos clássicos, mas quer começar essa saborosa viagem, tenha em mente o fato de que um mergulho na filmografia do Mestre do Suspense representa uma viagem (praticamente) sem volta. E absolutamente saborosa para qualquer cinéfilo.

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