sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Pérolas da Netflix - O Empregado e o Patrão (El Empleado y El Patrón)

De Manolo Nieto. Com Nahuel Pérez Biscayart, Cristian Borges e Justina Bustos. Drama, Uruguai / Brasil / Argentina / França, 2021, 107 minutos.

Muito mais do que um filme de teor político sobre questões que envolvem o universo do trabalho, O Empregado e o Patrão (El Empleado y el Patrón) é uma obra sobre relações humanas e suas sutilezas. Isso não quer dizer que os contrastes sociais que colocam em lados opostos as duas famílias que acompanhamos em cena não estejam lá. Basta ver a moradia opulenta dos proprietários das lavouras de soja em contraponto a casa de pau a pique da família daquele que será contratado para trabalhar na safra. De um lado o maquinário agrícola que, em muitos casos, avaliza a riqueza. De outro, o cavalo solitário que simboliza um pouco de tudo ao mesmo tempo. O cenário é o Norte do Uruguai, na divisa com o Brasil - um local tão bucólico quanto inóspito. É nele que o jovem Rodrigo (Nahuel Pérez Biscayart) procurará alguém que possa auxiliar a família na colheita de grãos - a mão-de-obra parece meio escassa e o excesso de chuvas pode colocar a perder parte de lavoura.

Mais do que isso, Rodrigo precisa de alguém que saiba dirigir uma colheitadeira - o que ele conseguirá ao contatar Carlos (Cristian Borges), um rapaz de 18 anos que é filho de um antigo funcionário de seu pai. Assim como Rodrigo, Carlos é um jovem casado e pai de um bebê pequeno. Ao cabo, ele precisa trabalhar - ainda que, em seu íntimo, sonhe mesmo com as corridas de cavalos (o seu desejo nem tão secreto é participar de uma espécie de maratona eqüestre, que acontecerá dali algumas semanas). Carlos coloca essa como a única condição para aceitar o emprego. Tudo começa mais ou menos bem e, num universo de tanta precariedade como é o do trabalho no campo, Rodrigo até parece ser um patrão razoável. Ou ao menos não é aquele carrasco que poderia parecer uma figura maniqueísta óbvia - uma solução que o roteiro evita. Mas num dia como outro qualquer, o jovem empregado sofre um grave acidente com o trator que dirigia, com consequências terríveis para todos os envolvidos.



Costurada pelo diretor Manolo Nieto como uma experiência fílmica sobre tragédias e busca de superação, a obra também aposta em uma análise mais estrutural e menos direta na hora de discutir as diferenças de classe. Um bom exemplo disso envolve o fato de o filho de Rodrigo padecer, aparentemente, de uma grave doença que fragiliza sua saúde. O que poderá ser controlado (e contornado) mais adiante, com o tratamento médico adequado. O que decorre, claro, de um bom acesso ao sistema de saúde - o que pode ser obtido com mais facilidade pra quem tem dinheiro. Da mesma forma, será o mesmo dinheiro que moverá as tentativas desesperadas da família de empregadores de tentar apaziguar os traumas do acidente, propondo acordo financeiros ou mesmo outras chantagens quando o sindicato que apoia os trabalhadores entrar na jogada. É quase como um jogo de xadrez sendo jogado lentamente, com cada pequeno gesto podendo vir carregado de sentido.

Um bom exemplo desse expediente está no almoço em que Federica (Justina Bustos), a esposa de Rodrigo vai conversar com Carlos para oferecer ajuda. Seu gestual, sua conversa mansa sugere muito mais uma obrigação que está sendo cumprida - como um protocolo que busca tentar amenizar as dores da consciência - do que algo sincero, honesto. Aliás, não demora para que ela sugira ao marido de que a família de trabalhadores seja dispensada do local. Em meio a tudo, a corrida de cavalos surge como uma moeda de troca que poderá auxiliar a todos: se vencer, Carlos faturará uma boa grana. Às custas de um saudável e valioso cavalo da família de Rodrigo. Os holofotes se voltam ao evento num contexto naturalista, que quase ganha ares documentais. Um empregado que cavalga para o chefe que embolsará o dinheiro. Uma simbologia nem tão discreta. A troca de olhares diz muito. Mais até do que devia. É como se aquelas vidas existissem de fato. Com sua lógica existencial própria. Com sua organicidade vívida. É um filme pequeno, distinto, incômodo, cheio de camadas. E que foi o enviado do Uruguai para o próximo Oscar. Fica a torcida.


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