terça-feira, 30 de agosto de 2022

Novidades em Streaming - Red: Crescer É Uma Fera (Turning Red)

De: Domee Shi. Com Rosalie Chiang, Sandra Oh e James Hong. Animação / Aventura, EUA, 2021, 99 minutos.

Vamos combinar que se há algo que a Pixar faz com competência são as histórias sobre assuntos diversos que, em muitos casos, se amparam em metáforas inteligentes que buscam facilitar a compreensão dos pequenos. Como falar por exemplo de luto (Viva: A Vida É Uma Festa), memória e espiritualidade (Soul), sentimentos (Divertida Mente), aceitação das diferenças (Luca) e amadurecimento (Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica), entre outros, mas sem pesar a mão? Em Red: Crescer É Uma Fera (Turning Red) a alegoria é quase óbvia: prestes a entrar na puberdade, a adolescente Mei-Mei (Rosalie Chiang) se "vende" como uma jovem independente e confiante, capaz de tomar as próprias decisões. Ou ao menos em partes, já que dentro de casa ela é bastante submissa à mãe Ming (Sandra Oh), a quem auxilia na recepção de turistas interessados na cultura ancestral chinesa, da qual ela descende - a trama se passa no Canadá, no ano de 2002.

Em certo dia, Mei-Mei se vê diante de um evento quase kafkiano ao acordar transformada em um panda vermelho gigante. Sim, a pequena garotinha de apenas 13 anos assiste às mudanças corporais que estão por acontecer - bem como a explosão de hormônios que acarretará em mudanças de humor, em indisposições com a família, em dúvidas e em incertezas - de forma quase literal. Enquanto à mãe se esforça em ampará-la física e emocionalmente (e com absorventes) de uma forma quase exagerada, a protagonista vai se desgarrando da saia da genitora a cada nova aparição do panda (que vai e vem de acordo com o estado de espírito da adolescente). E tudo se intensificará quando a jovem passar a ser governada por um certo senso de autonomia - as novas vontades envolverão desde paixões adolescentes que emergem em sequência a novos interesses, como o de ir no show de uma boy band fictícia chamada 4 Town.



De forma paralela a esse contexto de descobertas, de vida escolar, de amizades, de primeiros amores e de dificuldades nas relações familiares, Mei Mei ainda precisará lidar com o fato de que a transformação em panda envolve uma espécie de herança mágica de uma das ancestrais da família, que se transformava na figura gigante e peluda como forma de proteger seu povo - com a "feitiçaria" tendo sigo propagada de geração em geração até chegar a Mei Mei. E a única forma de ela se livrar do fenômeno envolve a próxima lua cheia vermelha, quando um ritual possibilitará encapsular a fera. Só que, até lá, ainda haverá um mês pela frente - com o show dos 4 Town no meio do caminho (uma apresentação que Mei Mei e suas amigas somente poderão ir driblando a repressora e preocupada senhora Ming). Com criatividade, as meninas utilizarão a própria criatura para conseguir o dinheiro para o espetáculo e, bom, a gente já sabe que lá pelas tantas a coisas vai desandar em meio a estes conflitos todos.

De forma criativa, a diretora Domee Chi utiliza bem a sugestão na hora de naturalizar as transformações adolescentes - e os "monstrinhos" interiores que costumam vir acompanhados destas. E, lá pelas tantas, a inevitável pergunta aparece: será que é o certo se livrar das nossas feras particulares? Afinal de contas, somos seres humanos cheios de defeitos, virtudes, erros e acertos, medos e anseios - e as descobertas feitas por Mei Mei nesse contexto tornam Red: Crescer É Uma Fera uma parábola poderosa sobre sermos nós mesmos, leais aos nossos desejos, e nunca subservientes a esta ou aquela convenção social. Quebrar os paradigmas familiares, desafiar, perder o controle das coisas aqui e ali, dançar, brincar, viver é o que dá cor a nossa existência. E esse rompimento simbólico possui uma mensagem embutida de que jamais devemos suprimir nossas vontades. Ainda mais se você for uma mulher, jovem, de uma família tradicional. Domee Chi já havia encantado o mundo com Bao, seu curta-metragem vencedor do Oscar de 2018 que, de alguma forma, tratava mais ou menos do mesmo assunto. Aqui, ela acerta em cheio ao apresentar uma reflexão valiosa em uma animação cheia de coragem, bastante espirituosa e muito bem feita tecnicamente. Vale demais.

Nota: 8,5


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