segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Novidades em Streaming - The Humans

De: Stephen Karam. Com: Beanie Feldstein, Richard Jenkins, Amy Schumer, Steven Yeun, June Squib e Jayne Houdyshell. Drama, EUA, 2021, 108 minutos.

Janelas sujas, paredes emboloradas, corredores estreitos, buracos em lugares inusitados, lâmpadas que queimam, uma vizinha que faz um barulho persistente e irritante. Vamos combinar que é um ambiente pouco convidativo o "novo" apartamento para onde a jovem Brigid (Beanie Feldstein) está se mudando. Localizada no centro de Manhattan a habitação consiste em um duplex decadente com uma pintura de tons melancólicos, que formarão a metáfora perfeita para o tipo de história que acompanharemos em The Humans - mais um daqueles filmes sobre a ruína das relações familiares, bem como de suas vidas de aparências, repletas de mesquinharias e de traumas prontos à emergir. Brigid está feliz por estar finalmente saindo de baixo da asa dos pais, os conservadores Erik (Richard Jenkins) e Deirdre (Jayne Houdyshell), para tocar a sua vida ao lado do namorado Richard (Steven Yeun).

Como comprovam os primeiros minutos, não será necessário ser nenhum adivinho para prever que as coisas vão desandar na primeira noite no local - ocasião em que, em meio às bagunças da mudança e ao improviso de quem está se acomodando em um novo ambiente, resolvem receber os pais, a avó cadeirante Momo (June Squib) e a irmã lésbica Aimee (Amy Schumer, confortabilíssima em um papel mais sério) para o jantar de Ação de Graças. A chegada de todos já é carregada de alguma tensão, que se torna palpável justamente pelas condições precárias do imóvel. A janela, por exemplo, está tão suja, que Erik mal consegue reconhecer se a figura que, misteriosamente, caminha no pátio, é homem ou mulher. Para Momo, a circulação é difícil. É necessário subir uma escada em formato de caracol para o simples ato de ir ao banheiro. Para dar alguma vida, alguma cor ao espaço, Richard insiste em acender uma imagem projetada de uma lareira - tão falsa quanto o comportamento daquele grupo de parentes, cheios de segredos, de traumas, de dores guardadas.


Aliás, poucas vezes um diretor foi tão ostensivo no uso do próprio ambiente como uma alegoria para o estado de espírito dos personagens que acompanhamos, como no caso de Stephen Karam (que adapta sua própria peça de teatro para a telona) - e não é por acaso que a câmera passeia vagarosamente junto a paredes, próxima ao teto, buscando cada canto arruinado dos cômodos como forma de evidenciar a luta interior daquelas pessoas. Tão humanas quanto qualquer um de nós. Quando uma revelação meio inesperada vem à tona em meio a preparação para o jantar, um estrondo é ouvido vindo do andar de cima. O lustre velho parece pronto a despencar. Uma luz queima. Uma barata gigante aparece, o que faz com que as mulheres gritem. Momo some de forma inesperada. O caos que se instaura avança conforme os diálogos sobre questões de trabalho, de dificuldades econômicas, de religião, de doenças, de problemas climáticos e outros avançam. Ao cabo, a obra é a desculpa para que se teça uma verdadeira teia que evidencia os choques geracionais como um aspecto bastante presente nos tempos de hoje.

É claro que nem tudo é melancolia e, aqui e ali, há espaço para instantes surpreendentes e até comoventes de ternura - como não se emocionar quando, por exemplo, Aimee tem uma dura conversa ao telefone com sua ex-namorada, sendo amparada pelo pai que tenta, de forma meio desajeitada, apoiá-la. Ou mesmo não sorrir diante de um comentário bem humorado sobre o fato de um papel de presentes estar sendo, aparentemente, reutilizado? Família, afinal, é isso mesmo. Um coletivo de pessoas repleta de barulhos interiores, de sonhos nem sempre alcançados, de decepções generalizadas, de fragmentos do que fomos e do que deveríamos ter sido. De pequenas alegrias. Ninguém tão paladino da moral ou pecador exagerado. Todos com problemas a serem resolvidos e amores a serem encontrados. O apartamento apertado, nauseabundo, quase funciona como uma espécie de personagem improvisado, claustrofóbico, um símbolo materializado da queda do sonho americano. É simplesmente impossível não se identificar. Não se reconhecer naquelas figuras. E é por isso que, a rigor, a experiência é tão única. É como se estivéssemos presentes. Como se também fôssemos. E, vá lá, talvez sejamos.

Nota: 8,5


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