segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Novidades em Streaming - Nova Ordem (Nuevo Orden)

De: Michel Franco. Com Naian Gonzalez Norvind, Diego Boneta, Lisa Owen e Dario Yazbek Bernal. Drama / Ficção Científica, México, 2020, 88 minutos.

Assim que concluí a sessão de Nova Ordem (Nuevo Orden) me preocupou a possibilidade de que ocorresse um "efeito Tropa de Elite" com o filme mexicano, que está disponível na Amazon Prime. O que envolveria o esvaziamento das mensagens antimilitaristas e de crítica a sistemas autoritários por escolhas no mínimo questionáveis do roteiro. Mais ou menos o que ocorreu com a obra de José Padilha que, de crítica nada sutil ao abuso de autoridade, ao fascismo à brasileira e ao domínio das milícias, saltaria para uma inexplicável glorificação da violência e do (in)consequente discurso do "bandido bom é bandido morto". O Capitão Nascimento alçado a ídolo de uma juventude protofascista temente à Deus sequer seria percebido como a figura abjeta, corrupta e covarde que era. Pior: foi o herói ocasional do Brasil que gestava um sonho fetichista e molhado dominado por capitães, generais e outros congêneres. Mais ou menos como o que temos hoje.

No filme do habitualmente polêmico Michel Franco - do doloroso (e espetacular) Depois de Lúcia (2012) - temos a disputa de classes e os contrastes sociais do País como fio condutor da narrativa. Assim, enquanto uma pomposa festa de casamento ocorre - daquelas com milhares de convidados riquíssimos e extravagantes -, um grupo de pessoas à margem da sociedade protesta a alguns quilômetros dali. "60 milhões de mexicanos na miséria" exibe uma pichação nas ruas em meio a símbolos anarquistas e outras frases de ódio à burguesia. O primeiro terço do filme, aliás, marca a melhor parte: enquanto os ricos se ocupam com mesquinharias relativas ao grande evento, vão vendo suas encasteladas existências sendo ocupadas por pequenas "invasões", sejam elas a cor da água que sai da torneira sendo modificada, seja a indesejada presença de um ex-funcionário que pretende conversar com a antiga patroa para pedir um vultuoso empréstimo de dinheiro.



E por mais que Franco talvez tenha pensado no resultado do projeto como uma mistura de Luis Buñuel com Parasita (2019), o caso é que a partir do segundo terço a coisa desanda, com a invasão de um grupo de miseráveis maltrapilhos ao evento, que não hesitarão em utilizar um tipo de violência tão brutal quanto repugnante contra aquelas pessoas. Torturas, estupros, sangue, roubos, morte, enfim, tudo quanto é atrocidade. A ideia inicial da experiência talvez fosse justamente criticar o absurdo de ver as camadas abastadas vivendo do bom e do melhor enquanto o grosso da população pena na fila do osso e na completa vulnerabilidade. Mas sem humanizar minimamente os supostos oprimidos, ficou aquela impressão de que eles apenas queriam se tornar o opressor. E eu, que adoraria assistir a uma distopia que se aprofundasse na discussão de questões sociais e políticas de um País como o México, me vi torcendo para que os ricos (que talvez devessem ser os vilões em meio a manutenção desse status quo que os favorece) se livrassem o quanto antes daquele sadismo generalizado.

Sim, eu sei que lá pelas tantas o filme inclui algumas surpresas que evidenciarão que, nessa disputa, o buraco é mais embaixo - e que há uma série de outras intenções que vão para além do mero grafismo de ricos e pobres em disputa (o fascismo é maior do que tudo isso). Mas até chegarmos até ali, o estrago está feito. Os miseráveis sem cara serão apenas isso: um coletivo vil, torpe, que sente prazer em violentar aqueles brancos aristocráticos. Em anarquizar a festa alheia. Em tomar bens materiais que não são seus. O meu temor ao ver os créditos subirem foi de que o público médio afeito a preconceitos visse alguns de seus maiores temores - de negros, de pobres, de (supostos) vagabundos - aumentado. O que resultaria numa simplificação maniqueísta que, muito provavelmente, vem acompanhada de uma mensagem oposta à original. Em um governo totalitário, ditatorial, militarista e de tirania não há rico, pobre, branco, preto, esquerda, direita, homem, mulher. Todos ali sofrem pela mão do Estado. Talvez falte um pouco de foco, um pouco de clareza para evidenciar isso. Enfim, uma percepção. Que, espero, esteja errada.

Nota: 6,0


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