terça-feira, 16 de agosto de 2022

Cinemúsica - As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower)

De: Stephen Chbosky. Com Emma Watson, Logan Lerman, Ezra Miller, Paul Rudd e Melanie Lynskey. Drama / Romance, EUA, 2021, 103 minutos.

Existe uma cena emblemática em As Vantagens de Ser Invisível (The Perks of Being a Wallflower) que permaneceria para sempre nos corações cinéfilos. Nela, o trio formado por Sam (Emma Watson), Patrick (Ezra Miller) e Charlie (Logan Lerman) se aventura em uma madrugada a bordo de um carro, atravessando um longo túnel ao som de Heroes do David Bowie. Na sequência, Sam se ergue acima do capô do carro com os braços abertos, enquanto a música sobe - como uma metáfora para o senso de libertação e de busca permanente pela felicidade, que parece mover os jovens de 16, 17 anos. É um período de incertezas. Cheio de dúvidas, de medos, de anseios, de frustrações, de desejos e de traumas. É aquele período em que os adolescentes prestes a entrar na fase adulta não sabem se ainda são crianças ou se já cresceram o suficiente para decisões importantes sobre futuro, carreira, formação e outros. "Nós podemos ser herois / Apenas por um dia" entoa Bowie, como que resumindo aquele instante juvenil.

E vamos combinar que, talvez não fosse a excelente trilha sonora, e o filme dirigido por Stephen Chbosky - que mais tarde filmaria o gracioso Extraordinário (2017) e o sofrível Querido Evan Hansen (2021) - talvez fosse apenas mais uma daquelas obras de formação que tanto vemos por aí. Aqui, a música tem papel fundamental em meio a mixtapes gravadas em que músicas sombrias como Asleep dos Smiths se destacam, conduzindo o trio central por entre os dissabores da adolescência. Charlie é o garoto solitário que guarda segredos do passado que envolvem o falecimento de sua tia Helen (Melanie Lynskey), enquanto tenta se enturmar com os veteranos do Ensino Médio, na Escola. Entre leituras de Scott Fitzgerald, Harper Lee e Charles Dickens - Charlie sonha em ser escritor, sendo apoiado pelo carismático professor Bill (Paul Rudd) -, o jovem se une a Sam e Patrick, passando pelo primeiro amor e por descobertas sexuais, que vem acompanhadas do uso de drogas, da formação da bagagem cultural, entre outros aspectos.

Em relação às citações culturais, não deixa de ser divertido acompanhar as recriações de sequências em que os atores encenam atos do clássico The Rocky Horror Picture Show - em que canções como Rose Tint My World e Touch-A Touch-A Touch-A se sobressaem. E o que dizer então do formidável momento em que, em um baile, todos se divertem ao som do excêntrico megahit Come On Eileen, do Dexys Midnight Runner? Em meio a tantas questões mal resolvidas, à relações complexas, à sonhos concretizados (ou não) e a desejos um tanto incompreendidos, a trama vai sendo costurada por trechos de canções de outros artistas, como Joey Ramone, Young MC, Cracker, L7 e The Samples, só pra citar alguns. Envelhecer não é fácil. Forma casca, nos ajuda a enfrentar o mundo e suas dores. Mas o que o filme de Chbosky nos lembra o tempo todo é que aquela música cantada na hora certa, no momento certo, pode eternizar instantes. Por mais estranho que seja o fato de ninguém saber que Heroes é cantada por Bowie - aliás, descobrir de quem é a música se torna uma das metas do trio central naquele começo dos anos 90.

Repleto de frases de efeito que, em tempos de séries adolescentes vigorosas como Euphoria quase soam datadas - "Não escolhemos o passado, mas podemos decidir sobre o futuro", "Aceitamos o amor que acreditamos merecer" -, a obra é uma experiência leve mas sinuosa, poética mas descolada, melancólica mas esperançosa. Com um aceno especial aos esquisitos, aos introvertidos, àqueles que preferem ficar num canto lendo um livro, do que experienciar o vazio hedonista que muitas vezes dita esta fase (e não há nada errado nisso). Se um filme do John Hughes fosse realizado nos anos recentes talvez ele tivesse essa cara de As Vantagens de Ser Invisível. Aquela cara de tédio meio iludido de quem aguarda uma formatura que parece distante, mas que vê essa eternidade sendo reduzida em meio a recortes aleatórios cotidianos cheios de cor, de vida e de música. De estereótipos que se quebram. E de luzes e de tempo que passam rapidamente a bordo do carro enquanto uma música que amamos toca.


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