De: Nathalie Álvarez Mesén. Com Wendy Chinchilla Araya, Ana Julia Porras Espinoza e Flor María Vargas Chaves. Drama, Costa Rica / Alemanha / Bélgica / Colômbia / Dinamarca / EUA / Suécia, 2021, 106 minutos.
Sim, estamos diante de uma casa em que prevalece o fanatismo religioso. Em que a culpa católica percorre as frestas, em meio a imagens de santas, de sacristias improvisadas, de velas e de terços. Clara habita esse local com uma resignação taciturna, encontrando refúgio na simbiose com a natureza. A mata, os riachos, as montanhas, os animais e os fenômenos da natureza estão no entorno - e geram encanto. É com eles que a mulher impedida de realizar plenamente aquilo que sente, comunga. O que explica a "obscenidade" de um instante em que, para subverter a lógica daquilo que espera a sua família - um comportamento envergonhado, tímido, comedido -, ela simplesmente se atira no barro. Se revolve nele. Se veste dele. É em meio a esses rituais quase selvagens, de conexão com a terra, de associação com o místico e até com a carne - aqui simbolizada pela presença constante de uma égua de estimação a quem destina seus cuidados - que ela encontra forças pra sobreviver. E para, aos poucos, despertar.
E será justamente por causa do animal de estimação que Clara conhecerá o jovem Santiago (Daniel Castañeda Rincón), treinador de cavalos que demonstra certa empatia por sua figura inocente, dando algum fiapo de afeto a cada visita que ele faz a jovem Mariá (Ana Julia Porras Espinoza), sobrinha adolescente da protagonista que está prestes a debutar. Em meio ao despertar sexual de Mariá, Clara verá também o seu próprio desabrochar acontecendo. O que poderá ser percebido nos detalhes: um batom colocados nos lábios, o desejo por um vestido mais bonito, mais feminino, do que as vestes largas e sem vida que Fresia pretende que ela use, como forma de fazer com que não se perca de vista a sua função de curandeira religiosa estabelecida pela mãe ortodoxa. O intelecto limitado que se mescla a um caráter sacro, divino, deve permanecer intocado. Por mais que das entranhas de Clara esteja emergindo o desejo.
Quando se toca de forma íntima, Fresia a pune passando pimenta em seus dedos. A trata como uma menina, mesmo que já esteja perto dos 40 anos - e lá pelas tantas a gente nem estranha mais o fato de própria Mariá dar banho na tia, penteando-a carinhosamente depois. Sua única distração na vida é assistir as novelas que, por fim, apenas ampliarão as suas vontades. E tudo é construído de forma tecnicamente impecável, com uma fotografia que borra os limites entre o real e o imaginário, o concreto e o folclórico, o terreno e o religioso. Já Araya, dançarina de profissão, dá uma aula de interpretação com seus olhares expressivos, silêncios que muito dizem e gestos econômicos, que a levam do indefeso ao indomável em segundos. Dá pra perceber de longe o quanto ela grita por dentro. Assim como nós, aqui desse lado, ficamos loucos para gritar para que ela se liberte, para que fuja desse sistema que a aprisiona, que a enjaula, que a reprime. De superproteção febril e opulenta, que se traveste de amor, mas que mais parece cólera. Em tempos de opressão religiosa e de retrocessos na pauta de costumes, um filme como Clara Sola é tão atual quanto importante. O que apenas amplia o seu valor.
Nota: 9,0
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