terça-feira, 23 de agosto de 2022

Novidades em Streaming - Babysitter

De: Monia Chokri. Com Patrick Hivon, Monia Chokri, Nadia Tereszkiewicz e Steve Laplante. Comédia, Canadá, 2022, 88 minutos.

Cortes secos. Uma câmera trêmula e muito próxima do rosto dos personagens. A trilha sonora que evoca Tarantino. A cena de dois lutadores de MMA que, em uma tomada aérea feita em câmera lenta, espalham sangue em meio a um exasperante esforço - numa sequência à moda dos Irmãos Coen. Algum tipo de sensualidade luxuriante em tons vibrantes, ao estilo Almodóvar. A estilização à Emerald Fennell. Sim, bastam os primeiros minutos de Babysitter para que tenhamos a impressão de que a diretora Monia Chokri - uma das atrizes preferidas do canadense Xavier Dolan - não apenas pegou emprestadas algumas das melhores referências do cinema, como as enfiou em um liquidificador para extrair esse projeto cheio de personalidade, vigoroso e que debate um tema atualíssimo: no caso o machismo e a misoginia que, aqui, são evidenciados na tentativa de um sujeito de atacar uma repórter em plena rua, tentando beijá-la. Aquele tipo de escrotice que já vimos, inclusive, com jornalistas daqui.

Bom, o caso é que a história pega muito mal junto à opinião pública - ainda que, aqui e ali, muitos haters tenham se sentido legitimados a expressar seu ódio contra a profissional (o tipo de inversão que, não sem alguma surpresa, nos faz perceber que a aversão às mulheres não é exclusividade do cidadão de bem brasileiro e patriota, que apertou 17 nas últimas eleições). No Canadá - mais precisamente em Montreal, onde se passa a história - a pressão faz com que Cédric (Patrick Hivon) seja suspenso da empresa em que trabalha. A companhia, liderada por uma mulher, não compactua com o acontecido. Em casa, o sujeito terá de lidar com a filha recém nascida e a estressada esposa Nadine (a própria Monia Chokri) que, diante da situação bizarra do marido, encontra uma brecha pra se livrar, ao menos em partes, dos afazeres domésticos (sem muita culpa ela se refugia em um motel de beira de estrada, mentindo à Cédric sobre um suposto retorno antecipado da licença maternidade).


Com pouca habilidade para executar as tarefas de pai e de mãe em tempo integral, Cédric recrutará a babá Amy (Nadia Tereszkiewicz) - que se vangloria de sua semelhança com a atriz Brigitte Bardot. Com métodos ao mesmo tempo pouco ortodoxos mas muito afáveis, Amy terá papel central para que os ideais machistas de Cédric sejam subvertidos - ainda que isso envolva uma espécie de tratamento de choque meio involuntário (já que a babá não hesitará em vestir uniformes que fazem lembrar as indumentárias usadas por estrelas do pornô, se comportando ainda de forma furtiva e misteriosa dentro da casa). Já o irmão de Cédric, Jean-Michel (Steve Laplante) faz o papel do esquerdomacho supostamente desconstruído, que apoia o protagonista na ideia mirabolante de escrever uma espécie de "livro desculpa" à repórter, explicando como a sua formação, o tipo de educação recebida e a relação com a família pode ter contribuído para que ele se tornasse o adulto tóxico que, agora, tenta beijar uma desconhecida na rua sem ter sido autorizado a isso.

"Todos somos moralmente confusos" lembra alguém no decorrer da narrativa, enquanto nós mesmos, como espectadores, nos percebemos um tanto desconfortáveis com as situações que, ao passo, nos fazem refletir também sobre o nosso comportamento - e eu admito que, por mais supostamente desconstruído que eu seja, me vi em meio a uma sensação de ambíguo estranhamento e de deleite diante da sempre enigmática figura de Amy (o que sugere também a complexidade da questão e da mais do que urgente necessidade de adequação de todos nós no que diz respeito às temáticas de gênero). Qual a linha, afinal, que burla o flerte (ou a brincadeira tosca) e o converte em assédio? Em algo invasivo? Sim, parece pouco mas, com criatividade, a obra nos faz pensar sobre tudo isso - o tema é importantíssimo, afinal - enquanto entrega uma verdadeira coleção de boas piadas, que se mesclam com relevantes informações relativas ao assunto. Ok, não se chegará a conclusão alguma. Mas o mérito aqui é compreender melhor a parte mais vulnerável dessa equação. E perceber que sempre haverá espaço para evoluir.

Nota: 8,0


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