terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Livro do Mês - Velhos Demais Para Morrer (Vinícius Neves Mariano)

Editora Malê, 2020, 280 páginas.

"Em um mundo que luta contra o envelhecimento, falar sobre o passado é um ato de coragem".

Vamos combinar que a premissa de Velhos Demais Para Morrer, segundo romance do mineiro Vinícius Neves Mariano, não poderia ser mais interessante. Na trama estamos em algum lugar do futuro, em um período em que o número de idosos alcançou 50% da população total, o que instaurou uma crise econômica e social sem precedentes. E é nesse cenário de iminente catástrofe, que o governo estabelece uma política radical, que envolve um pacote de medidas de transição para a maturidade. Conhecido pela sigla TranMat e lançado naquele que ficou conhecido como Ano Anacrônico, o programa tinha como slogan "Maturidade para construir um novo futuro". Sim, o nome pode parecer até simpático em um primeiro momento. Mas nas entrelinhas está uma lógica quase perversa: em um mundo em que a medicina avançou e os idosos vivem mais é preciso estancar essa discrepância. Mas como suprimir idosos sem mais nem menos, sem que esse procedimento seja traumático para quem vai (e também para quem fica)?

Em tempos em que tantos tipos de preconceitos são discutidos, o etarismo também entra nesse combo. E na distopia exagerada mas nunca irreal de Mariano está nesse universo em que envelhecer é uma ofensa. "É mendigar arfando um resto de fôlego para alimentar os pulmões". E para que a transição para o ocaso da existência seja uma oportunidade para um gesto de altruísmo e de coragem, o governo oferece como caminho uma espécie de partida voluntária. Assim, quando chegam aos 65 anos, os idosos podem participar de uma cerimônia supostamente digna em uma das casas de Félix Mortem. Reunidos, familiares e amigos acompanham o último discurso daquele seu familiar que, sedado em três etapas, oferece seu corpo obsoleto para o alívio das finanças do Estado. O que garantirá estabilidade - e uma polpuda herança, chamada de Bônus Pelo Compromisso com a Nação - para que os mais jovens deem continuidade aquilo que os velhos, com suas carnes estafadas, não conseguem. Sim, os anciãos simplesmente se oferecem pra morrer. Em favor da população economicamente ativa.

 

 

E é claro que em um cenário tão apocalíptico não será fácil para a população simplesmente aceitar, na maior, essas duras medidas. Afinal, quem abriria mão da presença de seus parentes, de seus amigos, maridos e esposas, avós e etc para que a nação não definhe? Pior, quem se ofereceria? É nesse contexto que surge Piedade, uma professora grávida que já ultrapassou a idade limite e está em fuga, indo parar em uma espécie de comunidade de refugiados, conhecida apenas como Território Escuro - geralmente um espaço distante dos grandes centros urbanos que, agora, em muitos casos, não passam de cidades fantasmas. Em outra linha narrativa temos o pequeno Perdigueiro, um adolescente de treze anos que é obrigado pelo seu pai, com quem tem péssima relação, a caçar velhos para um grupo de milicianos. Em uma terceira linha acompanhamos Daren, um Faria Limer de 35 anos que trabalha para uma poderosíssima empresa de cosméticos - aliás, um ramo que cresce desenfreadamente em tempos em que a aparência pode, literalmente, salvar vidas.

Em cada um desses segmentos está a luta pela sobrevivência em um cenário onde todos sabem quando vão morrer. E em um mundo que estabelece um ponto final para a vida qual o sentido de tudo? De forma filosófica, o autor costura a sua prosa alternando as histórias de seus protagonistas que, por mais separados que estejam, parecem unidos na mesma jornada. Uma jornada de escapada da alienação e que possa acenar para mudanças sobre como as coisas se estruturam em relação ao envelhecimento. E por mais que os temas sejam pesados, reflexivos, é importante salientar que a obra, lançada pela editora Malê e finalista do Prêmio Jabuti, é um excelente entretenimento. E, como ficção científica, estabelece a possibilidade de reflexão sobre questões humanas sensíveis, sendo uma delas a forma como algumas sociedades da atualidade encaram o ato de envelhecer como um mal-estar. E a gente já faz isso, vamos combinar. O que torna esse livro ainda mais impactante.

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