segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Pérolas da Netflix - Nimona

De: Nick Bruno e Troy Quane. Com Chloë Grace Moretz, Riz Ahmed e Eugene Lee Yang. Aventura / Comédia, EUA, 2023, 142 minutos.

Vamos combinar que animações que abordem temas atuais, sejam eles respeito às diferenças, igualdade entre gêneros, racismo, mudanças sociais e quebra do status quo, existem aos montes. Aliás, são justamente estas produções que aquele tiozão de extrema direita costuma chamar pejorativamente de "lacração". "Sim, porque não se fazem mais desenhos como antigamente", dirá o barbado de 38 anos, enquanto a sua mãe leva até o seu quarto o lanchinho da tarde - muito provavelmente composto de Toddy e Doritos. Só que, nesse cenário, o indicado ao Oscar Nimona parece dar um passo além. Porque confesso a vocês que poucas vezes vi um roteiro tão bem costurado, com tantos diálogos riquíssimos, que apresentasse seus argumentos de forma tão inteligente, respeitando não apenas os adultos, mas também os adolescentes que o assistem. Em resumo, é um filmaço, pelo qual desde já tenho profunda admiração. E que ficarei feliz se vencer a maior premiação do cinema em sua categoria.

Baseada em uma graphic novel de ficção científica do cartunista americano ND Stevenson - que não li -, a trama nos joga para uma espécie de reino que, há mil anos, é protegido por uma linhagem de cavaleiros nobres, que descendem da rainha Gloreth. Esta, teria derrotado uma ameaça conhecida como o Grande Monstro Negro, o que a fez construir um muro altíssimo nas cercanias do Império. Só que muito tempo se passou e hoje o reino é uma espécie de cidade futurista, que segue sendo defendida por estes cavaleiros de elite. Com a modernidade e o possível rompimento desse ideal mais antiquado, surge um certo Ballister Boldheart (Riz Ahmed), que está prestes a se tornar o primeiro plebeu da história a se tornar um cavaleiro. Só que tudo sai errado quando, na noite de coroação, Ballister acidentalmente assassina a própria rainha Valerin (Lorraine Toussaint). O que faz com que o sujeito se torne um pária, um fugitivo que passa a ser perseguido pela Instituição.

Vivendo no submundo e tentando reconstruir a sua vida, Ballister receberá a inesperada visita da Nimona do título (Chloë Grace Moretz), um ser metamorfo (capaz de se transformar em absolutamente qualquer ser vivo) e que tem um pendor para a vilania. Ela acredita que o protagonista tenha executado a rainha por gosto e que, assim, possa ser a companhia ideal para seus pequenos delitos. Só que o que interessa para Ballister é limpar a sua barra. E Nimona aceita ajudá-lo sob a desculpa de que este, mais adiante, a converta em uma espécie de braço direito. E eu admito que esse cenário inicial pode não parecer tão atrativo, mas não deixa de impressionar como a obra de Nick Bruno e Troy Quane vai ganhando força conforme avança. Em meio a discussões sobre diferenças de classes, sistemas totalitários, opinião pública e até lavagem cerebral, descobriremos mais sobre o passado de Nimona e de como ela se converte em alguém que precisa viver às sombras na sociedade. Simplesmente por ser uma jovem diferente do padrão que se espera.

De forma inteligente, as mensagens vão sendo entregues sem forçação de barra, sendo simplesmente impossível não se emocionar no terço final quando, evidentemente, todos perceberão que não é a aparência ou o estrato social que moldará o caráter dos sujeitos. [SPOILERZINHO] Especialmente depois que Ballister e Nimona descobrem uma grave traição que parte de dentro do próprio reino - uma sabotagem que resulta na já citada morte da monarca Valerin (alguém com uma mente mais aberta ou menos conservadora que seus antecessores). Divertido, alegórico, cheio de piadas espertas e com uma presença de espírito acachapante - observe como Nimoma adota a personalidade dos animais em que ela se metamorfoseia (ela roubando um pedaço velho de pizza na condição de ratinho de esgoto me derrubou!) -, a obra é um daqueles achados da Netflix, que talvez ficasse mais escondida se não fosse o fato de ter sido lembrada no Oscar. Alguém poderá dizer que não há grandes novidades aqui. Mas não podemos esquecer que esse é um projeto voltado à adolescentes de 12 anos. E nada melhor do que um conto de fadas as avessas pra nos fazer refletir sobre as transformações do mundo.


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