quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Cinema - Dogman (Dogman)

De Matteo Garrone. Com Marcello Fonte, Edoardo Pesce e Adamo Dionisi. Drama / Policial, Itália / França, 2018, 102 minutos.

Esqueça a Itália dos cartões postais, do romance e da valiosa gastronomia: no cinema de Matteo Garrone definitivamente não há espaço para o glamour ou para a estética higienizada vendida em pacotes turísticos. Assim, o que surge em tela é a cidade como um microcosmo para uma sociedade individualista, violenta e emburrecida. E que luta para ser feliz (e por um prato de comida), chafurdando nos restos como se fossem cães de rua. Já havia sido assim em Gomorra (2008), seu mais famoso filme. E é agora também em Dogman (Dogman), que faz a crítica a uma coletividade doente a partir da história do franzino Marcelo (Marcello Fonte), sujeito que trabalha em uma espécie de empresa para lavagem de cachorros - chamar de pet shop seria gourmetizar o ingourmetizável - localizada em uma cidade litorânea, inacreditavelmente decadente, fria, desalentadora.

A vida não é fácil para Marcello, mas ela vai indo mais ou menos bem: é um sujeito bem quisto pelos amigos e vizinhos que encontra nos almoços do restaurante da periferia e nas noites de futebol. É visitado vez ou outra pela devotada filha, já que compartilha a guarda desta com a ex-esposa. Só que pra tentar equilibrar um pouco mais as finanças, Marcello também trafica cocaína. E um de seus principais "clientes" é o brutamontes Simoncino (Edoardo Pesce). Simo, como é conhecido, é daqueles que não paga imposto pra se meter em confusão. Explosivo como se fosse um pitbull ensandecido - não serão poucas as brigas que resultarão até em tentativa de assassinato -, envolverá Marcello em vários delitos. Em um deles a Casa de Penhores que fica ao lado do estabelecimento do protagonista acabará invadida. E, inevitavelmente, sobrará para o vizinho, que vai parar na prisão.


A metáfora dos cães e suas mais diversas personalidades não será por acaso nessa pequena obra-prima baseada em fatos reais (a história teria ocorrido nos anos 80) e que foi a enviada da Itália para a mais recente edição do Oscar. Marcello começa o filme tentando lavar, a muito custo, um buldogue irritado. Com calma e paciência, "atacando" pelos cantos, amansará a fera e alcançará o objetivo. Na vida real a história não vai ser muito diferente: após a saída da prisão que lhe devasta a vida e lhe leva praticamente a falência, Marcello se reaproximará novamente de seu algoz - ludibriando-o com o seu "pedaço de carne" preferido. Será nessa hora em que a caça se transformará em caçador, numa reviravolta não menos do que arrebatadora. E que reconfigurará a Lei de Talião para aquele cenário.

É um filme triste, desesperançoso, amargo. Não há respiro em meio ao cenário úmido, envelhecido e acinzentado da cidade - e Garrone reforça essa condição com planos abertos que mostram um mundo sujo, quase grotesco. O trabalho de fotografia é fenomenal - e vale reparar como as tonalidades empalidecidas e a ausência total de cores fortes tornam a experiência ainda mais sufocante. E há a dupla central de atores que entrega uma caracterização não menos do que formidável. Fonte, sujeito pequeno, meio curvado, com dentes tortos e olhos expressivos parece estar sempre no limite entre a tenacidade e o medo (como mostra a "divertida" cena em que ele tenta em vão quebrar uma motocicleta). Não por acaso foi alçado a Melhor Ator no último Festival de Cannes pelo papel. Já Pesce é daqueles que assusta só de olhar, imprimindo um realismo e um naturalismo aterradores em sua personificação. "O homem é o bicho do homem", afinal: e é esse velho provérbio que esse ótimo filme evoca.

Nota: 9,0

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